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Adimar Missfeld

1945 - 2020

Não havia uma pessoa que não gostasse dele. E, se existe alguém assim, o problema era a pessoa.

Adimar Missfeld foi criado na pequena Witmarsum, no oeste de Santa Catarina, cidade colonizada por imigrantes alemães e que em 2020 contava com pouco mais de 3 mil habitantes. Teve uma infância simples, mas feliz. Era um filho exemplar e obediente, que passava boa parte do tempo livre brincando com os seis irmãos.

Aos 15 anos, Witmarsum se tornou pequena demais e ele foi para a metrópole chamada São Paulo. Apesar de quase não falar português, já que em sua terra natal predominava o idioma alemão, Adimar partilhava do mesmo sonho de muitos meninos nascidos no Brasil: queria ser jogador de futebol.

A vida, porém, tinha outros planos para ele. Assim como boa parte das pessoas que chega à capital paulista, ele precisou deixar seu sonho de infância de lado para se dedicar aos estudos e ao trabalho. Foi relojoeiro junto de um tio que morava na cidade e estudou na Escola Estadual Conde José Vicente de Azevedo, no bairro da Saúde.

Foi justamente em seus anos de colegial que conheceu a mulher com quem dividiria seu coração por cinquenta e quatro anos. Cleonice Sturari era uma moça simples e de origem humilde, assim como o próprio Adimar. Começaram a namorar e, como não dava para ser diferente, passou ser visto como membro da família de Cleonice, onde ganhou o carinhoso apelido de “Alemão” por conta de suas origens.

Cursou Administração de Empresas na ESAN - Escola Superior de Administração de Negócios e se casou em 1971. Quatro anos depois realizou o sonho de ser pai ao segurar em seus braços a primeira filha, Laura. Em 1982, a primogênita ganharia uma irmã, Lígia, cuja semelhança de rosto não negava a semente de onde veio.

Se Adimar era elogiado por ser uma pessoa dedicada aos estudos e trabalho, certamente não faria diferente dentro de seu lar. Foi um marido devoto e entregou o melhor às filhas, sempre com muito carinho e um sorriso no rosto. Era paciente, companheiro e amava estar presente nos momentos mais importantes da família.

Não era de falar muito, mas até mesmo os cegos e surdos percebem a linguagem daqueles que são extraordinários. Seus sogros, cunhados, genros e sobrinhos também o admiravam. Era “aquele” tio das festas de Natal, com as piadas que todos conhecemos.

“É pavê ou pacumê?”, “É seulular ou meulular?” E quando se despedia de alguém, vinha o inconfundível “Desapareça sempre”. Mas, ao contrário do que acontece na maior parte dos casos, era impossível ficar irritado com essas brincadeiras vindas dele. Justamente por ser... ele.

A admiração não se limitava apenas aos familiares. Fez diversos amigos na vida, sendo que muitos o consideravam como um irmão. Gostava de dividir uma caneca de caipirinha, fazer churrascos, jogar truco – curiosamente sempre tinha um “3” em sua mão - , viajar e ver os jogos do Palmeiras ─ o time para o qual que torcia. Seu sorriso não desaparecia nem durante seus cochilos no sofá nas tardes de domingo, o que se tornou uma marca registrada.

Em 1993, aos 48 anos, montou junto de dois amigos uma sociedade e abriu uma empresa química, cujo segmento era aromas e essências para a indústria alimentícia. Prosperou financeiramente, compartilhou ensinamentos com os colaboradores e inspirou muitas pessoas que até hoje guardam um grande carinho por ele. Adimar era tão singular que era amado até como chefe. Dedicou-se durante quinze anos, até sua aposentadoria.

Enquanto muitos se tornam egoístas com o conforto financeiro, ele fez diferente. Ajudava instituições de caridade, amigos e familiares sempre que podia. O dinheiro nunca foi o mais importante. O mais importante eram as pessoas que amava e pescar – um hobby que passou a ter em seus últimos anos.

A vida também renovou sua alegria quando lhe deu de presente quatro netos ─ dois de cada filha. Era um avô coruja e ensinou aos pequenos os mesmos valores que transmitiu às filhas. O retorno vinha na forma de abraços apertados e da sinceridade do amor que apenas as crianças conseguem expressar.

Há um ditado popular que diz que “Deus escreve certo por linhas tortas” e não há como pensar diferente quando se olha para a sua história. Adimar teve que abandonar o sonho de ser jogador de futebol, mas ganhou muito mais do que a bola e o gramado poderiam lhe dar.

Porém, nem toda grande história termina com um final feliz.

No dia 17 de agosto de 2020, faltando apenas seis dias para completar 75 anos, Adimar Missfeld faleceu, vítima da Covid-19, após lutar bravamente por quase um mês, deixando um vazio na vida de todos aqueles que o amavam.

Ao partir, em tempos de pandemia, Adimar não teve nenhuma das honrarias que merecia, mas deixou ensinamentos que o mundo inteiro merece aprender e que a filha Lígia elenca abaixo:

"É possível transformar o pouco em muito, com gestos simples, muito amor e dedicação.

A vaidade é minúscula comparada ao sorriso que a humildade e a solidariedade trazem aos outros.

É por isso que ele deixou tantas saudades.

É por isso que ele merece essa homenagem.

É por isso que iremos seguir com seu legado.

É por isso que ele será sempre lembrado.

É por isso que Adimar será eterno."

Adimar nasceu em Dona Emma (SC) e faleceu em São Paulo (SP), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Adimar, Lígia Sturari Missfeld. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 24 de dezembro de 2020.