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Adriana Lessa de Faria

1973 - 2020

A "rimã" caçula que cuidou da família e enfrentou suas batalhas sem perder o sorriso.

A vida de Adriana foi marcada por lutas que, apesar de duras, não foram capazes de tirar dela o sorriso que se transformava facilmente em gargalhada. Quem conta é o irmão Jordhan, que a chamava carinhosamente de "rimã".

A caçulinha se tornou a "mãezona" da família quando, em 2016, sua genitora partiu. Adriana era uma fortaleza revestida de alegria, era "uma gigante que aguentou firme o baque da partida da mãe e a descoberta que teria que iniciar a diálise por ter se tornado paciente renal crônica nível 5", lembra Jordhan.

O vínculo entre os dois irmãos permaneceu forte mesmo com a pandemia. Apesar de terem passado meses sem um abraço sequer, respeitando o distanciamento, conversavam virtualmente com frequência e Adriana mantinha sua preocupação de irmã-mãe. Além do risco direto, sabia que seu irmão temia precisar de atendimento por ser transgênero e, infelizmente, estar sujeito à discriminação.

Durante as conversas, ambos trocavam orientações sobre os cuidados, refletiam sobre a situação e, para amenizar as incertezas e temores, recordavam os momentos engraçados que viveram juntos na infância e várias outras lembranças. Jordhan conta que sua "rimã" tinha "um jeito engraçado de falar sobre coisas sérias" e, assim, os dois riam e contavam os dias para brindar a vida novamente.

Apesar de todos os cuidados, a condição de saúde delicada de Adriana não permitiu que ela escapasse da internação. Mesmo do hospital, a mãezona buscava formas de se comunicar, mandando áudios para saber notícias da família, expressando novamente seu cuidado e carinho. Em retribuição, ainda que não pedisse nada em troca, recebeu toda atenção e apoio de Jordhan, que buscava acalmá-la e acompanhava de perto seu tratamento.

Com seu jeito de ser, Adriana não precisava de muito tempo para deixar as pessoas encantadas. Pessoas que conviveram com ela por quinze dias, no hospital, lamentaram sua partida e isso indica o quão grande é o espaço que ela ocupa no coração dos familiares que foram agraciados com sua companhia por quarenta e sete anos.

Para o irmão Jordhan, a Covid-19 levou muito mais que a sua "rimã", levou a sua defensora, a única pessoa da família que não tinha vergonha dele e nem fazia julgamentos sobre sua identidade de gênero. Adriana partiu, mas será sempre lembrada como uma irmã, mãe, amiga, companheira, esposa e confidente "sempre cheia de vida, apesar de todas as lutas que enfrentava".

Adriana nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 47 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo irmão de Adriana, Jordhan Lessa de Faria. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Rosimeire Seixas, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2021.