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Albertino Fonseca Bacelar

1933 - 2020

Primeiro ele aprendeu a cultivar a terra; depois, a cultivar as palavras: era uma enciclopédia ambulante.

Ele era agricultor, amava trabalhar com a terra e cuidar de sua plantação de verduras e legumes. Foi pai orgulhoso dos seus sete filhos. Garantia o seu sustento por meio da atividade rural. Desse modo, fazia planos de investir em melhorias em seu terreno no interior do Amapá. Fazia também planos de viagem, pois conhecer Fernando de Noronha era o seu maior sonho. Albertino era o feliz proprietário de um Chevette preto ano 1990, que figurava entre as suas paixões. A comida, ele gostava com caldo: peixe cozido, sopa; para sobremesa, um bom pudim.

Era autodidata — alfabetizou-se sozinho. Tinha o hábito diário de ler a Bíblia e, nas horas livres, gostava de ler outros livros. Amava conversar com os filhos e netos, compartilhando histórias e as suas vivências. "Ele era uma enciclopédia ambulante", diz a filha Edigleuma. Pois não apenas buscava aprender por conta própria: aos 87 anos, possuía uma memória extraordinária.

Gostava de atribuir apelidos carinhosos aos filhos, genros, netos — e a quem mais tivesse algum convívio com ele. A partir do instante da invenção, não havia mais jeito: o apelido pegava "geral" e as pessoas não eram mais chamadas ou reconhecidas por seus nomes de batismo. Albertino falava de um jeito engraçado e bem peculiar; mesmo sem saber, sem ter o conhecimento acadêmico, recorria a figuras de linguagem, como a ironia e o pleonasmo.

"Meu pai era um comediante nato: olhava para as pessoas com um sorriso no rosto, já pensando no que ia dizer, e a maior parte do que dizia causava risos. Tinha um repertório único de palavras e expressões, que ficaram registradas em nossas lembranças e que, hoje, são usadas em nossa linguagem cotidiana, como um tributo à memória dele. Pretendo, em breve, produzir o 'Vocabulário Regional de Albertino Bacelar', um livro com seus verbetes", conclui Edigleuma. Legítima homenagem ao legado desse homem excepcional; o lavrador que cultivou a terra e as palavras, e "que combateu o bom combate, encerrou a carreira e não perdeu sua fé".

Albertino nasceu em Afuá (PA) e faleceu em Macapá (AP), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Albertino, Edigleuma Picanco Bacelar. Este tributo foi apurado por Ticiana Werneck, editado por Ricardo Henrique Ferreira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 26 de outubro de 2021.