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Alcides José Nogueira

1956 - 2020

Para ele, sempre precisava ter música; se não tivesse um instrumento, arrumava algum objeto que pudesse tocar.

Ele se autointitulava Pancoso — aquele que tem panca, o bom, o poderoso... Voninho também foi um apelido que ele mesmo se deu. Na verdade, Segundo Voninho, já que existia um sanfoneiro conhecido nacionalmente pelo mesmo nome. Ele se achava tão bom na sanfona, que se comparava ao primeiro e se apelidou assim quando já tinha mais de 50 anos.

Gostava de violão e sanfona, e daquilo que combina muito bem com esses dois instrumentos: festas e danças. Quando ainda era jovem, ele mesmo fez uma viola e aprendeu a tocar sozinho. Só muito depois comprou um violão. Aprendeu tudo por conta própria, não teve acesso à escola.

A paixão por instrumentos musicais não parou por aí. Já mais velho teve acesso a um teclado, herdado do filho que estava de mudança; depois veio a sanfona, presente de outro filho; e da sanfona passou a outros instrumentos, como a zabumba e o triângulo. Deixou de herança para dois filhos a paixão pelos instrumentos. Tentou ensiná-los a tocar, mas o fato de ser canhoto, e os filhos serem destros, atrapalhou um bocado.

Chapéus também faziam parte de suas paixões. Quando faleceu tinha dez ou onze deles. Mas por muito tempo ele teve um só, que cuidava com tanto zelo, que o acompanhou por uns vinte anos. Era muito raro que estivesse sem esse seu companheiro, principalmente em eventos. Até na igreja ele ia de chapéu; chegava lá, tirava. Quando passou a ter vários, gostava de estar revezando: se hoje ele ia com um, amanhã já era outro.

Alcides cresceu na companhia de seus pais e sua infância foi na roça. Lá, o transporte era a pé ou a cavalo, e ter um animal desses era sinônimo de riqueza. O pai casou-se duas vezes e teve 19 filhos. Alcides era um dos mais velhos, mas da segunda união de seu pai. Quando seus pais faleceram, ele assumiu a responsabilidade de cuidar de irmãos que tinham algum tipo de deficiência.

Na juventude, chegou a trabalhar para fora e também em um garimpo, mas foi à roça que dedicou a maior parte de sua vida. Plantava arroz, feijão, verduras e melancia, para vender e para seu próprio consumo. Sempre gostou das atividades que fazia e as manteve mesmo depois de aposentado, aos 60 anos.

Foi casado com Miguelina por quarenta e cinco anos e formaram uma grande família. Tiveram 11 filhos: Neuton, Neusilene, Arnaldo, Aldo, Maria Aparecida, Adivaldo, Jilson, Carmelinda, Carmélio, Belinha e Florinda. A família, já numerosa, cresceu ainda mais com a chegada dos filhos adotivos: Deuselina, Elias, Cândida, Mateus e Denise.

Miguelina e Alcides se prometeram em casamento quando ela ainda morava em Goiânia e durante cerca de dois anos se comunicavam por cartas. Depois desse período de afastamento eles se reencontraram, casaram e desde então não tiveram nenhum momento de separação. Construíram uma casinha em sua cidade natal, num pedaço de terra herdado pela esposa, e tocaram juntos a vida e a roça.

Alcides tinha uma personalidade forte. Não era de brigar, mas era bem impositivo com as coisas dele, principalmente em relação à criação dos filhos. Era muito rigoroso: os filhos tinham que seguir de acordo com as leis dele, que exigia sempre muita obediência. Ao mesmo, tempo era cuidadoso e amoroso. Gostava de zelar pelos filhos. Quando podia, reunia todo mundo e rezava; depois, pegava os menores, e ia colocando um por um no colo, balançando até que dormissem.

Pessoa determinada e muito otimista, incentivou os filhos a construírem suas próprias vidas e conquistarem seus bens. Chegou a ser parabenizado na cidade pela criação que deu aos filhos, por serem bem-educados. O apelido de Pancoso veio daí, de se gabar pelo orgulho que os filhos lhe proporcionavam. Fosse pela sanfona, fosse pelos filhos, ele gostava de aparecer.

Foi sempre muito alegre e festivo. Não gostava de tristeza e sempre procurava animar a todos. A frase que costumava usar: "Devemos olhar a vida com bons olhos", revela como procurava encarar a vida. Para ele, independentemente da situação, a pessoa devia manter-se alegre e sempre expressar gratidão pela vida, pelo simples fato estar vivo.

Ele tinha uma alegria contagiante, era uma pessoa super extrovertida. Gostava de chegar mostrando que tinha chegado! Não gostava de ver ninguém triste, principalmente em datas comemorativas: queria que todo mundo estivesse ali feliz, sorrindo, dançando e brincando como ele. O filho Carmélio lembra com carinho de um momento marcante: um show de calouros que fizeram juntos, onde ele tocou violão e o filho cantou.

Ele gostava de dançar. Em casa, só quando tinha festa. Mas quando os filhos ainda eram pequenos ele os pegava e dançava no meio da casa mesmo. Também gostava de sair para dançar com a esposa. Eles sempre iam às festas mais perto de casa, e eram um dos casais mais assíduos nas reuniões e eventos da região. Música para ele era sinônimo de alegria, de entusiasmo. Se tivesse festa, alegria, música, ele estava feliz. No início da noite, principalmente nos finais de semana, ele tocava para os filhos até que se cansassem e dormissem.

"Ele contava que quando era jovem, ir a uma festa era uma dificuldade. Às vezes, tinha que sair de casa dois dias antes, porque tinha que caminhar até as festas, que eram longe. Contava que ia caminhando e parando nas casas de conhecidos até chegar ao local", diz Carmélio.

Gostava de casa cheia, independentemente de quem fosse. "Às vezes, ele arrastava um desconhecido pra dentro de casa só pra alegrar o ambiente. Às vezes, a família estava numa reunião e do nada ele aparecia com gente que ninguém sabia de onde tinha vindo. Para ele, todo mundo era amigo, gostava muito de conversar, de se abrir com as pessoas", conta Carmélio. "Gostava muito de criança também, ter netos foi uma realização. Ele sempre quis que a família se estendesse por gerações e gerações, com muitos filhos e muitos netos".

"Ele ensinou e deu o exemplo. Dizia que se uma coisa está muito ruim, a gente tem que se alegrar, porque não vai ficar assim pra sempre", diz Carmélio. "Dizia que se está muito ruim é porque tá perto de ficar bom..."

A esposa de Alcides também foi uma das vítimas da Covid-19. Você pode conhecer a história dela acessando a homenagem para Miguelina Arcangela Nogueira.

Alcides nasceu em Porto Nacional (TO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 64 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Alcides, Carmélio da Conceição José Nogueira. Este texto foi apurado e escrito por , revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.