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Alcides Peres Lopes Filho

1954 - 2020

Tinha o sonho de ser avô e por sete vezes pôde celebrar os "mesversários" do neto, que apelidou de Batatinha.

Há quem diga que os pescadores gostam de sempre aumentar um ponto nas suas histórias. Na exceção das regras, Alcides, apaixonado pela pescaria, era conhecido pela sua honestidade e por sempre cumprir com sua palavra.

Com as varas e a maleta de pesca sempre a postos, em qualquer tempinho livre que tivesse, Alcides já estava pronto para ir a um pesqueiro, lago ou rio de águas calmas. Só se recusava a pescar em alto-mar, onde a calmaria se transformava em ondas brabas — e não era ele quem iria desafiá-las.

Alcides, era também chamado de Cidinho ou Cido, pela família e pelos amigos. Alcides, Cidinho ou Cido era conhecido por todos como um homem amoroso, que gostava de brincar com as crianças. As batalhas enfrentadas desde cedo não endureceram seu coração.

Neto de imigrantes espanhóis que se estabeleceram em meados do século XX em São Carlos e depois na Vila Carrão, já na capital de São Paulo, ele começou a trabalhar ainda na infância. Seu primeiro emprego foi em uma avícola. "Por causa disso, meu pai não podia ver frango que já passava mal", lembra o filho Eduardo.

Na juventude, cursou Comércio Exterior, profissão que desempenhou por alguns anos e da qual gostava muito. Durante doze anos dedicou-se a funções na indústria e orgulhava-se disso. Já mais recentemente, trabalhou em uma loja de descartáveis, com recebimento de mercadorias.

Tudo o que fez, fez com compromisso e responsabilidade. Os caminhos percorridos da juventude até a vida adulta sempre foram acompanhados por sua esposa Rita. O encontro dos dois aconteceu em um grupo de visitas à igreja Comunidade da Graça, em 1981. Ao lado dela, passaram-se quarenta anos e os frutos desse relacionamento duradouro foram três filhos e um neto.

Cidinho tinha o sonho de ver a família crescer e se tornar avô. Sonho realizado com sucesso. O neto Rafael, logo que nasceu, recebeu do avô um apelido carinhoso: Batatinha. Cido sempre mostrava orgulhoso a foto do netinho para os amigos. "Não teve um 'mesversário' do neto que meu pai não celebrou. O Rafael tinha 7 meses quando o avô se foi", conta Eduardo.

Se houvesse mais dias no livro da vida de Cidinho, ele teria assistido com Batatinha aos jogos de futebol que tanto gostava. Certamente, teria ensinado o neto a torcer pelo Santos, seu time do coração – mesmo o filho Eduardo, pai de Batatinha, sendo são-paulino. Teria também dito que churrasco de verdade é aquele que é "feito no carvão", não aquele que o filho Eduardo faz na churrasqueira elétrica do apartamento. Teria ido pescar com o menino e lhe ensinado sobre ser um pescador que honra a sua palavra.

Olhando para o céu, o filho Eduardo tem certeza que Cidinho está lá. "Agora, ele descansa ao lado do Pai Maior e, quem sabe, até está pescando ali mesmo, com o apóstolo Pedro!"

Alcides nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Alcides, Eduardo Peres Lopes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Michele Bravos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 9 de agosto de 2021.