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Alessandro Toshio Abe

1977 - 2021

Ensinar um porco a andar de skate foi uma das suas proezas como adestrador, só superada por sua dedicação aos filhos.

O trabalho mais conhecido de Alessandro como adestrador foi notícia em vários canais de TV, mas toda a sua trajetória merece destaque, principalmente como pai. Antes de chegar à profissão e à paternidade, a caminhada de To, como era conhecido, já sinalizava quem ele seria. Desde a infância era conhecido por ser muito brincalhão, amava tirar sarro de todos. Os irmãos Alessandra, Aurinha e Émerson, que o digam. No tempo de menino, também amava skate e jogava futebol, inclusive integrou o time do Sesi. Tinha muitos amigos em Votorantim, onde morava. Os domingos eram deliciosos, com almoços na casa dos avós e visitas a eles.

Quando fez 16 anos, Alessandro foi para o Japão com parte da família. Lá ele trabalhou em várias fábricas e se relacionou com a brasileira Gisele, com quem teve uma filha, Giovana. A moça - Gisele - já tinha um filho, Yuji, que se tornou seu também. Mesmo após se separarem, o menino ficou com ele.

To voltou ao Brasil com auxílio governamental devido à crise no Japão. Sem emprego, um tio apresentou-lhe ao adestramento, profissão com a qual se identificou muito, pois amava os animais desde a infância. A carreira não decolou sem esforço, por trás de todo reconhecimento que conquistou, houve muita perseverança. Boa praça e competente, diversos clientes tornaram-se amigos. A ideia de ensinar o porquinho Jérfiso a andar de skate — seu trabalho mais famoso — surgiu de uma conversa na barbearia que frequentava, onde os proprietários tinham o animal como "pet" e mascote. Jérfiso ficou famoso, foi personagem de muitas matérias na televisão, em portais da internet e outros canais. Assim como o miniporco, To treinou outros animais para atuarem em comerciais, entrarem em casamentos como pajens e viverem de forma ainda mais harmoniosa com os donos.

Ele era muito dedicado aos filhos. "Yuji começou a trabalhar cedo, muito incentivado por Alessandro, que era muito carinhoso com ele, mas também chamava a sua atenção quando necessário. Com a menina nunca vi nada igual, fazia de tudo para ver Giovana feliz. Levava ao restaurante japonês, comprava as bonecas que ela gostava, preparava a garotinha para as aulas e apresentações de balé. E isso não era nada comparado à forma como ele falava com a filha: o amor transbordava e dava para ver o quanto minha sobrinha amava o pai também", conta a irmã.

O adestrador e paizão morou durante algum tempo com a família quando retornou do Japão; depois alugou um apartamento onde viveu com Giovana e Yuji. A casa era próxima à residência dos pais e assim To estava sempre lá. Alessandra conta que quando a mãe o chamava para saborear os quitutes fresquinhos, preparados por ela com muito carinho, ele não tardava.

"To, acabei de assar bolo", noticiava a mãe no grupo da família. Minutos depois ele postava foto no aplicativo mostrando que aceitara o convite. Ele fazia tudo pelos pais e vice-versa. Além dos lanches rápidos, estava com os pais para outras refeições. Ele não tinha ninguém para ajudar nos afazeres domésticos e a parceria com eles ajudou bastante.

Os irmãos moravam longe, mas sempre estavam por perto com a ajuda das redes sociais e de gestos de carinho. Em junho, presenteou o sobrinho Enzo com uma chuteira. "Presente de aniversário adiantado", afirmou. Não estava fora do tempo, foi na hora certa. O garoto só aniversariava em agosto e o tio partiu antes. "'Vou me tornar profissional em nome do tio To', Enzo sempre fala", conta a mãe, Alessandra.

Não deu tempo de ver o menino jogar com o presente nem de saber do resultado dos testes em clubes profissionais. Porém, To — o adestrador, filho, amigo e, sobretudo, pai tão especial — é uma grande inspiração para Enzo e para todos que com ele conviveram.

Alessandro nasceu em Votorantim (SP) e faleceu em Sorocaba (SP), aos 44 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Alessandro, Alessandra Satiko Abe Koch. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 6 de março de 2023.