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Amaury Correa da Silva

1957 - 2020

Era a alma da festa, o par de dança das sobrinhas, padrinho oficial e não oficial de primas e primos. Sua alegria era viver em família.

Rodrigo escreveu a seguinte homenagem ao pai:

"O que dizer do homem e do pai que ele foi, ou melhor, que segue sendo, porque seus exemplos e as lembranças continuam fazendo parte da minha vida?

Para falar do meu pai é importante contar as histórias de família e a minha experiência de vida com ele. Tenho certeza de que suas conquistas se deram por causa do seu caráter, de seus princípios, de seu esforço, de sua dedicação, de seus objetivos e de sua alegria de viver em família.

Quando conheceu minha mãe, suas vidas eram muito diferentes e foram as qualidades dele que a conquistaram e à família dela, de portugueses com certas regras e tradições. Até o dia de sua partida, ele não sabia dizer não para minha mãe. Minha avó materna virou sua fã e ele a amava como se sua mãe fosse. Mas nem por isso teve moleza nessa nova família: tudo que conquistou foi com trabalho, dedicação e desejo de ter e dar uma vida melhor para o núcleo familiar que surgia.

Em algumas conversas que tivemos ele falava da sua infância, de diversão com os irmãos, mas também de trabalho, pois com 12 anos já buscava maneiras de se sustentar e ajudar sua mãe. Recentemente descobri cartas que escrevia para sua então namorada, registros estes que comprovam o desejo de ter uma vida melhor. Afinal, ele, além de romântico, também era um cara de 20 e poucos anos cheio de sonhos. As cartas, em sua maioria, falavam do amor que ele sentia por ela e do futuro que sonhava. Meu pai não mediu esforços para que a minha infância e a do meu irmão fossem maravilhosas. Tivemos de tudo e nada nos faltou.

Lembro-me das idas e vindas de ônibus, em que chegou a ser confundido com um investigador de polícia por causa do bigode, Ray-Ban e pochete. Lembro-me do seu cheiro, da chave pendurada na calça, do cordãozinho no pescoço, das idas às feiras para um pastel com caldo de cana, do café da manhã de domingo com uma maneira particular de cortar a baguete, do ensopadinho de carne com legumes, da groselha, das merendas de goiabada com queijo, das vezes que me levou para fazer nebulização e engessar a perna, das perguntas que fiz sobre seu dedo torto, das 'Vídeo-cassetadas' assistidas, da cobrança com estudos, das broncas, de me ensinar a dirigir, das viagens, dos carnavais em Barra de São João, dos acampamentos, do clube, de me jogar para o alto na piscina, dos passeios, da praia, das pescarias, dos bolos de aniversário que ele mesmo fazia, do pudim, das corridas do Ayrton Senna, das lutas do Mike Tyson, das cantorias no rádio-gravador, das canções ('Lá vem o pato, pata aqui, pata acolá', 'Plunct plact zum'), das imitações do Pato Donald, da feira da Providência, dos jogos e brincadeiras na rua (ele sempre foi fã do meu jeito de jogar bola)... A influência do meu pai é tão grande em nossas vidas que mesmo a família toda sendo vascaína, eu e meu irmão nos tornamos flamenguistas.

Meu pai foi provado e testado diversas vezes nessa vida mas sempre manteve sua honestidade e eu só tenho a agradecer por ser guiado pelo exemplo. Sua saúde também foi testada diversas vezes. Felizmente, parou de fumar e sei que o fez por nós. Passou por cirurgias que, de certa forma, o desanimaram momentaneamente, mas superou. Lembro-me que, depois da última, eu o levei para assistir 'Se beber, não case', e naquele dia o cinema conheceu a risada mais gostosa do mundo, aquela que eu escutava em casa principalmente vendo as 'Vídeo-cassetadas' do Faustão. A gente ria da risada dele.

A família em peso o considerava a alma da festa. Sempre divertido, era o par de dança de muitas sobrinhas. As festas na Ilha do Governador e na Penha tinham a presença constante da sua alegria e agitação. Seu carisma o levou a ser padrinho oficial e não oficial de minhas primas e primos. Sempre foi muito carinhoso com todos. Lembro-me de sentir ciúmes disso, mas era tanta energia e amor que seria egoísmo da minha parte ficar com tudo. Faz muita falta!

Talvez a maior virtude do ser humano seja a empatia e isso ele tinha muito, não media esforços para ajudar. Errou algumas vezes, mas tinha hombridade para reconhecer, sempre teve essa humildade.

Pai, quero dizer que o senhor cumpriu com louvor seu papel de pai, marido, filho, irmão, genro, sogro, padrinho, amigo e trabalhador. Espero um dia poder te abraçar novamente, ficar mais tempo ao teu lado para viver e revivermos todos os momentos maravilhosos que passamos juntos. Felizes foram as pessoas que puderam desfrutar da sua energia. Sinto orgulho de ser sua cópia.

'O amor que nos une será para sempre
Na harmonia do meu coração'

Te amo!"

Amaury nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Amaury, Rodrigo Raphael de Macedo da Silva. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Joaci Pereira Furtado, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Phydia de Athayde em 6 de janeiro de 2021.