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Ana Célia Farias Gaspar

1960 - 2020

Seu coração ficou em festa quando pegou as chaves do apartamento que comprou com as economias de uma vida.

Ana Célia foi mãe, avó, irmã, tia. Das melhores! Luana, a filha, lembra que era uma mulher de luz, guerreira desde sempre. A neta, com carinho, sempre falava: "minha avó era o meu pão de queijo".

Saiu muito cedo de Ananindeua, município vizinho a Belém do Pará. Estava sozinha, com uma vontade imensa de conhecer o mundo e as pessoas.

Com apenas nove anos, foi babá de duas crianças; primeiro no Espírito Santo, depois no Rio de Janeiro - onde começou a estudar e conseguiu chegar ao 8º ano. Passou dez anos no estado carioca, boa parte desse tempo trabalhando na casa do Evandro Mesquita. Por fim foi para São Paulo. Ana Célia acabou viajando bastante com as famílias que ela trabalhava, sempre como babá. Luana recorda: "minha mãe era muito querida pelas crianças; inclusive, o último menino de quem ela cuidou, desde pequeno até ficar bem grande - o Hélio - era muito ligado à ela. Conquistou amigos e filhos de coração por todos os lugares que passou".

Aos 28 anos, Ana Célia decidiu que já estava na hora de ter filhos. Achava que se passasse mais tempo ficaria velha para ser mãe. Então, na época, engravidou de um namorado. Para ela tudo que importava era ser mãe, estava decidida a ser protagonista de uma produção independente. Então, "eu sei que fui uma filha muito desejada e muito amada por essa mulher tão corajosa e incrível, assim como minha irmã, Tamara, que nasceu depois de dez anos.", enfatiza a filha.

Ana Célia amava a vida. Estava sempre sorrindo e cativando as pessoas com seu jeito de ser. Tinha uma gargalhada inconfundível, ria com gosto mesmo, e muito alto. Era uma mulher que acreditava sempre no melhor, olhava pra frente, via os desafios com positividade e acreditava em sua força para realizar cada um de seus sonhos.

Quando se separou do padrasto de Luana, elas passaram por muitas dificuldades financeiras. Era quase impossível pagar o aluguel e manter as despesas da casa; as duas trabalhavam, mas ganhavam pouco. A filha ficava preocupada, tinha medo que começassem a faltar as coisas. Mas a mãe dizia: "Calma, filha! Tudo vai se acertar!", porque além de ser uma pessoa que sempre pensava positivamente, era mulher de muita fé, muito religiosa.

"Minha mãe era tão determinada que mesmo trabalhando como doméstica, e ganhando naquela época, por volta de 500 reais, dava um jeito de economizar um pouco todo mês. Guardou dinheiro até ter o suficiente para dar entrada em um apartamento. A melhor lembrança, a mais feliz que eu tenho dela, foi do dia em que ela recebeu as chaves; ela vibrava de alegria e contentamento. E nós nos mudamos mesmo com o apartamento tendo só o contra piso nos quartos e na sala; só o banheiro e a cozinha estavam completos. Com muito esforço a gente foi ajeitando, colocou piso e foi comprando os móveis; inclusive eu estava comprando os armários de cozinha pra ela, do jeitinho que ela queria - a cor, o modelo, tudo do gosto dela"- recorda Luana.

Ana Célia gostava de "bater pernas" por aí, passear no parque, no shopping, na rua, mesmo. O que ela mais amava era sair só para tomar café, então sempre que tinha um dinheirinho sobrando, saia com a filha, sentava em um lugarzinho gostoso ou ia ao shopping. Se tivesse um cafezinho e um pão de queijo, ela já ficava feliz.

Era muito vaidosa. Não saía desarrumada de jeito nenhum, muito menos sem colocar os colares e anéis dourados, e passar batom.

A melhor conselheira, amiga e confidente que alguém poderia ter. Depois que ela faleceu, a família ficou impressionada com a quantidade de pessoas que a queria bem. As pessoas falavam que os conselhos dela eram preciosos, que sempre tinha a palavra certa nos momentos de dificuldade.

"Mãe, eu só queria uma chance de dizer outra vez: muito obrigada, muito obrigada pelos seus ensinamentos e exemplos de vida.

Sua filha que a ama infinitamente, Luana".

Ana nasceu em Capanema (PA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Ana, Luana Farias Gaspar. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Ana Macarini, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 21 de julho de 2021.