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Francis Nunes

1935 - 2020

Um apaixonado por paçoca que carregou no peito valores igualitários; sua religião era a vida e o amor por sua família.

Apesar de seus muitos anos de estrada, Francis nunca deixou de relembrar com amor os momentos vividos na infância. Afinal, era o rei das histórias!

Às vezes, suas próprias narrativa se misturavam com as de Eça de Queiroz, escritor português muito lido por ele - seu favorito, para falar a verdade!

Dedicava um amor pueril por açúcar de todas as formas, fosse saboreando paçocas ─ Ah... as paçocas, não é Francis? ─ ou até mesmo nas pedras puras de açúcar que se assentavam no fundo da xícara de café, aguardando que ele acrescentasse uma colherada a mais de doçura para arrematar e não sobrar nada.

Sempre após o almoço, comia uma paçoca. É certo que, para manter a saúde, houve uma pequena, mas importante mudança em relação a esse hábito: em seus últimos anos passou a consumir a versão diet. Além das paçocas, era louco por doce de leite e chocolate.

Ainda no universo das comidinhas, não seria possível deixar de falar do pastel! Ele comia como se estivesse fazendo uma prece: calado, de olhos fechados... para aproveitar cada pedacinho.

Francis tinha um sorriso tranquilo. Era amoroso, e um pouco tímido. Porém, quando menos se esperava, perdia toda aquela inibição inicial e danava a contar histórias. Além das vividas por ele e das que havia lido em páginas e mais páginas de livros, também relatava muito da História do Brasil.

Profissional competente e dedicado, sua criatividade e inteligência eram motivos de admiração para os colegas. Se algo não tinha solução, ele inventava. Não tinha o que não consertasse, era um engenheiro nato e treinado, olhava para o mundo tentando entendê-lo, como se fora uma engenhoca desafiadora, procurando nomear suas partes, compreender seu funcionamento e encontrar erros ou possibilidades de melhoria.

Viveu o movimento trabalhista, compartilhava os ideais socialistas e foi um humanista. Um grande homem que expressava sua opinião política com convicção, defendendo os direitos dos trabalhadores. "Mas, quando se tratava de questões pessoais, seus medos, inseguranças e confusões, ele mais parecia um menino", diz a neta Rajnia.

Francis cresceu órfão, interno no Colégio Militar. Aos 18, conheceu a normalista Lourdes, por quem foi apaixonado desde então e com quem passou seus últimos sessenta e seis anos, trazendo juntos ao mundo, nesse meio tempo, suas maiores alegrias: os filhos e netos. Todos apaixonados pelo pai e avô amoroso.

Seu filme favorito era "De Volta para o Futuro", considerado inovador (na época do lançamento) por conta dos efeitos especiais. "Eu mesma não perco a oportunidade de assistir sempre que passa. Em sua carteira, encontrei fotos minhas e da Giulia (minha irmã), além de fotos do meu primo Gabriel, da vovó Lourdes e a carteirinha do Camping Clube do Brasil, do qual foi membro até morrer", conta Rajnia que, além do sobrenome Nunes, compartilhava com o avô diversas semelhanças e um amor mútuo e profundo.

Seu Francis era cidadão português, uma pessoa solícita e sempre disposta a ajudar ou emprestar algo. Não era religioso. Era existencialista e sabia que a vida é o nosso grande momento.

Queria viver! Gostava de acampar, de ópera e era fascinado por ferramentas e lanternas. Renovava orgulhosamente sua carteira de motorista e dirigia seu Hobby pela cidade do Rio de Janeiro e arredores.

Francis era um avô babão, um pai amoroso, um marido dedicado, um amigo eterno que deixa saudade e muitas histórias para serem contadas e recontadas.

Para Rajnia fica a eterna lembrança das massagens que doíam (mas que ela não tinha coragem de falar), dos abraços apertados, da voz mansa, dos carinhos e da insistência do avô em sempre dizer que ela era um "tesouro em sua vida".

"Sua partida foi como se uma biblioteca inteira incendiasse", diz a filha Eline e conclui: "Enquanto vivermos, ele viverá! Carregamos o nome da sua carne. Nunes: o filho do pai!"

Francis nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta e pela filha de Francis, Rajnia de Vito Nunes Rodrigues e Eline Maria de Vito Nunes. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 4 de abril de 2021.