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Ana Lúcia Lopes Carneiro

1943 - 2020

Amava viajar e bater perna pelo mundo, fazia dele sua própria passarela.

Era comum, em uma tarde de domingo carioca, encontrar Ana Lúcia caminhando pelo Fashion Mall. Logo se notava seus colares, brincos, o salto, a maquiagem e o cabelo impecáveis. Para ela era inaceitável sair sem se arrumar. Muitas vezes, antes ir a um passeio, desfilava pela sala de estar e falava para o filho Marco, fazendo graça: “Oh, sua mãe tá chiquérrima hoje, hein?”.

Quando a filha Luciana ou qualquer amiga precisava de uma ajudinha para escolher o look certo, já sabiam a quem recorrer. A paixão de Ana pela moda a fez consultora oficial da família. Ela era capaz de parar o carro e o trânsito só para apreciar uma roupa que lhe chamasse atenção na rua. Não é à toa que admirava o trabalho de Constanza Pascolato, mulher que, além do vestir-se bem, acreditava que a elegância também estava “na maneira com que você trata os outros e vive”. Isso Ana sabia fazer muito bem, pois não era elegante apenas pelo vestuário, mas também na alegria e no amor pela vida, família e amigas.

Seu jeito cativante de ser foi responsável por carregar algumas dessas amizades desde os 13 anos. Juntas formavam um grupo de seis mulheres inseparáveis que se conheceram ainda na época do colégio. Essa relação cresceu e gerou laços até entre seus familiares. Já não eram mais amigas, eram primas, eram irmãs. Todo ano era de praxe: elas se reuniam na noite do Oscar para apostar quem levaria os troféus para casa.

Ana Lúcia apreciava a sétima arte. Depois uma tarde de compras, um cineminha sempre lhe fazia bem. Grande fã do ator e humorista Paulo Gustavo, dava boas gargalhadas com ele na mesma proporção que sabia fazer os outros sorrir. Ao visitar a filha Luciana, nos Estados Unidos, não queria saber se falava o inglês certinho não, pois não tinha vergonha de nada, para ela o importante era que os outros a entendessem.

Os netos sempre riam daquele jeito só dela de pronunciar camarão no idioma estrangeiro. “Vovó, não é xirimpi, é shrimp” diziam eles, mas a vovó não ligava. Apaixonada pelos netos, mantinha uma conexão forte, cheia de companheirismo, com Gabriel, Rafael e Maria Eduarda, mesmo que os dois meninos morassem em outro país.

O medo de avião não a impedia de visita-los todo ano, até porque viajar também era um hobby, e ela não deixaria de aproveitar um pouco mais da vida por conta de um medo bobo. Também tinha medo da morte, por isso procurou viver intensamente, correndo sempre atrás daquilo que desejava.

Aos 18 anos, encontrou em Marco um amor, no início, desaprovado pelos pais. Na esperança de que a filha esquecesse de vez o jovem, eles a mandaram para a Europa, mas não teve jeito. Lá ela só chorava de saudades. Quando voltou conseguiu convencê-los de que o relacionamento daria certo, e deu. Ana passou quase 60 anos ao lado do homem que amava.

Também na juventude ingressou na Escola de Belas Artes e se tornou professora de desenho. Mais tarde, largou a profissão para cuidar da família, mas o apreço pela arte não foi deixado de lado. Era muito boa com decoração e desenhava qualquer coisa, inclusive foi responsável pelo desenho do vestido de noiva da filha. “Para sempre minha Mommy Poderosa” diz Luciana lembrando do apelido pelo qual chamava a mãe.

Quando o diagnóstico de câncer no fígado chegou, o médico disse que restavam apenas seis meses, mas ela resistiu por mais quatro anos. A luta constante não a impediu de celebrar a vida, cuidar de si, festejar e cultivar amizades. Depois de desfilar pelo mundo, Ana Lúcia partiu para uma nova viagem a caminho de sua nova passarela.

Ana nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 77 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Ana, Luciana Carneiro Fonyat. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Yasmim da Silva Tabosa, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 16 de agosto de 2020.