Sobre o Inumeráveis

Ana Maria do Prado Valdivieso

1949 - 2021

Uma sagitariana mandona que organizava todos os eventos e a vida da família. E o melhor de tudo: eles adoravam isso.

Ana era uma pessoa simpática e dedicada. Uma pedagoga nata que gostava de transmitir conhecimento; tanto que, logo cedo, encontrou seu propósito: aos 15 anos começou a ensinar e, mesmo após se aposentar, nunca deixou de amparar quem tivesse sede de aprender.

Como professora, foi considerada a melhor alfabetizadora da cidade e ensinou gerações em Santo Antônio da Platina, cidade onde morava, a ler e escrever. Ela foi além, incentivou boa parte dos seus alunos a serem bons leitores e a se dedicarem aos estudos. Muitos deles seguiram na área de Educação e Medicina. Foi secretária da educação e, ao se aposentar, ocupava o cargo de orientadora no Colégio Rio Branco.

Por cinquenta e três anos compartilhou com o marido Valdir as alegrias e conquistas da família que juntos formaram com a chegada dos filhos Valdir, Marcus Vinicius e Patrícia, que deram a eles cinco netos, completando assim a felicidade da avó e mãe coruja. Cuidava de todos da família e, se alguém precisasse de algo, era só falar com ela.

"Pessoalmente, não consigo pensar em ninguém que eu conheça que seja mais qualificada para a tarefa do ensino. Ela tinha boa vontade e paciência. Amava ensinar", conta Lúcia, sua irmã.

A sagitariana geniosa gostava de mandar. Na verdade, dava ordens a fim de organizar a vida de todos. Quando a família se reunia, onde quer que fosse, era ela quem comandava e definia o andamento de cada atividade. Nos cafés da tarde, que geralmente duravam horas e estendiam-se até o cair da noite, era ela quem cuidava de tudo, dizendo: "Agora vamos sentar aqui e conversar", "Olha, depois vamos sair para fazer umas comprinhas", "Nossa próxima viagem será assim...", "Mais tarde vamos fazer tal coisa...". As irmãs gostavam disso. "Ela era uma facilitadora. Era um prazer acatar suas ordens", confidencia Lúcia.

E ai de quem fizesse algo com os sobrinhos! Ela virava uma leoa, protegia com garra cada um deles que, apesar de nem todos serem seus afilhados, cada um deles considerava a tia Ana como madrinha.

Ela costumava encontrar sempre um jeitinho de trazer todos para perto. Chegava até a comprar goiabada, um dos doces preferidos do cunhado Waldemir — carinhosamente chamado de Polaco —, para convencê-lo e a esposa Lúcia a viajar de São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, até o norte paranaense para adoçar um pouco a vida e jogar conversa fora.

Assim como ensinar, contar histórias era um de seus muitos dons. As contava como ninguém, mesmo que sempre parecesse que faltava a metade do que realmente havia acontecido.

Paralelo ao seu trabalho formal, Ana revendia perfumes que trazia do Paraguai para uma boa clientela que conquistou ao longo de muitos anos. Certa vez, precisou atravessar a Ponte da Amizade ─ que liga Ciudad del Este ao Brasil ─ na garupa de uma moto. O episódio rendeu muitas risadas e ninguém jamais esquecerá a aventura contada por ela.

Seu maior sonho era ver a neta Brumna formada em Medicina. O juramento de Hipócrates já estava marcado para o mês de julho de 2021. Faltou bem pouco, mas certamente Ana vibrou com a conquista da neta mais velha de onde quer que esteja.

"Carrego minha eterna admiração pela irmã que me ensinou a ser forte e persistente, com leveza e o sorriso no rosto apesar das pedras que podemos encontrar durante os caminhos da vida", diz Lúcia.

Ana, que abriu portas para que muitos embarcassem no caminho da educação, agora segue seu caminho rumo à eternidade deixando saudades e, acima de tudo, os legados construídos durante sua trajetória pessoal e profissional. A pedagoga Ana conseguiu provar que amar também é uma forma de educar, que existe beleza em cada momento singelo da vida, que é preciso ter carinho com quem se ama, ser paciente e sereno mesmo nas maiores tempestades.

Ela mostrou e demonstrou para cada familiar que eles nunca estiveram sozinhos e que a vida pode ser mais leve, alegre e cheia de momentos de deslumbramento, pois todos os dias, mesmo nos dias mais sombrios, Ana sempre esteve lá para abraçar e dar uma palavra de conforto a cada um.



"Ela era aquela pessoa que marcava, que amava... Tudo era intenso com ela", é assim que a neta Brumna inicia sua homenagem à avó que foi seu amor por toda a vida.

"Viveu por lindos cinquenta e três anos ao lado do vô Valdir. Foi professora, mãe e, com toda certeza, a melhor avó do mundo!", afirma a neta que morou desde os 5 anos com a querida avó. "Foi ela que me ensinou a ser quem eu sou. Transmitia amor e alegria por onde passava e era a simpatia em forma de pessoa, sempre querendo ajudar todos e controlar tudo", relembra Brumna.

Ana era dona de uma personalidade forte e foi sempre mandona. Brumna, que é profissional da área da saúde e teve a oportunidade de continuar abraçando e pôde conviver com a avó em seus últimos momentos, conta que Ana fez careta e retrucou quando ela tentou acalmá-la para que partisse em paz caso estivesse muito exaurida. "Vó Ana respondeu que não estava cansada e muito menos queria ir", conta ela. Brumna teve a sorte de poder dizer à avó o quanto a amava e ainda pôde ouvir a avó retribuindo verbalmente a declaração de amor. Ana teve, em seus últimos momentos, a chance de poder se despedir por videochamada de seu marido, do filho Valdir e de mandar seus beijos e abraços para as irmãs Lúcia e Lurdinha, para a afilhada Ana Flávia e para a outra neta, a Sarah. E nunca esquecia de perguntar da filha que estava também internada, mas que se recuperou da Covid-19.

Ela era falante e amorosa, e como muito pacientes que acompanhamos, há algo que chamamos de energia vital ─ aquela força final para poder nos dar adeus. Claro que quando o acordar acontece, não acreditamos que seja isso, só vemos esperança e caminho. Mas minha vó se foi, sem dor, com conforto e em paz. Aquela paz que ela transmitia sempre. O sonho dela era me ver médica e ela se foi exatamente dois meses antes da formatura, fazia exercícios todos os dias, emagreceu dez quilos para a minha formatura e já estava com o vestido separado para a ocasião.

Não conseguimos entender nem acreditar, mas sou grata por ter tido a oportunidade ter vivido vinte e seis anos da minha vida com o meu amor, aquele que foi e sempre será o meu coração. Tenho certeza que ela está muito feliz, porque minha mãe, sua filha, depois de nove dias intubada, está em casa com a gente e passou o Dia das Mães junto comigo, com a Lele (minha irmã de 10 anos) e nossa caçula Lulu, lembrando o que nossa avó nos deixou: o amor incondicional.

Ana nasceu em Jacarezinho (PR) e faleceu em Curitiba (PR), aos 71 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã e pela neta de Ana, Lúcia Prado Xavier e Brumna Valdivieso Georges. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Lígia Franzin em 11 de junho de 2021.