1959 - 2021
No dia de pagamento, levava os filhos para o centro, comiam cachorro quente e partilhavam uma caixa de bombons.
Sabe aquelas matronas que reúnem a família para o almoço de domingo sempre com muita comida boa? Bom, a Ana Maria era assim. Além dos seus três filhos e quatro netos, também reunia seus sete irmãos e respectivas famílias para comer, todos os domingos, o frango caipira com gueroba e pamonha mexida que preparava com destreza. Reza a lenda que até o arroz branco dela, o mais simples de todos, era extremamente saboroso.
E esse papel de matriarca não parava por aí, Nêga, como era conhecida, também gostava de acolher em sua casa quem estivesse precisando de um apoio após uma briga, um desentendimento ou simplesmente estivesse de passagem. A casa era grande e ela adorava tê-la cheia e movimentada. Não gostava nada de lamentações e choradeira, simplesmente recebia quem precisava de um consolo e injetava um pouco de ânimo.
Ana Maria sempre foi uma mulher batalhadora, dessas que não desistem no primeiro obstáculo. Ficou viúva muito nova, com os filhos pequenos e sem nada: sem dinheiro, sem emprego, já que tinha parado de trabalhar depois que casou, e até sem casa, pois a que morava era alugada e não tinha como continuar pagando. Voltou a trabalhar como professora, mais por necessidade e por ser a opção que tinha na época, função que exerceu por trinta anos. Foi morar com seus pais que já demandavam cuidados. Foi uma fase bem difícil, afinal, ainda cuidava dos filhos e de sua educação. Não tinha condições financeiras, mas não deixava faltar nada, nem diversão. No dia que caía o salário, levava os filhos para um passeio: pegavam um ônibus para o centro, comiam cachorro quente, compravam uma caixa de bombons que partilhava entre eles. Ou iam ao cinema. Era um compromisso marcado. Sempre no dia que o salário caía. Mesmo com o pouco recurso que tinha, tentava fazer alguma coisa para trazer um pouco de alegria para os eles e para si.
Com os filhos um pouco crescidos, adotou uma criança que, no começo passava o tempo na casa de Ana enquanto a pessoa responsável por ela trabalhava. Só que essa pessoa nunca mais apareceu e Romário, na época com três anos, acabou ficando aos cuidados de Ana que, depois, oficializou a adoção.
Perto de se aposentar teve a oportunidade de ir morar nos Estados Unidos, pediu uma licença no trabalho e embarcou nessa jornada por três anos, mesmo sem falar nada de inglês. Com as economias que juntou trabalhando num asilo e na casa de uma senhora, comprou sua casa, que era a casa de seus pais, de quem cuidou por anos.
Sempre incentivou os filhos a estudarem para que não passassem pelos apertos que ela passou. Ela tinha muito medo que eles se desviassem de rumo na vida, já que ela era muito sozinha na criação deles e via nos estudos uma aliado poderoso. E quando eles se formaram no ensino superior, sentiu como um sonho realizado.
Tinha um espírito de justiça aguçado, sempre que percebia algum tipo de injustiça, absorvia aquilo para si e comprava briga entrando no meio da confusão. Saía dando bronca em todo mundo. Exigia muita disciplina, de seus filhos, sobrinhos e de seus alunos também, nada podia ficar fora do lugar. Ela falava o que queria e as pessoas ouviam e obedeciam, mas também foi conciliadora de muitas situações.
Sua grande paixão era cozinhar. Não deixava ninguém meter a colher em seu fogão. Às vezes, recusava convite para jantar porque a comida não era preparada por ela e, quando aceitava, ia lá e se enfiava na cozinha preparando ela mesma a refeição. Quando sua filha Plinia se oferecia para ajudar, dava a ela a função de preparar a salada e lavar a louça. Seguia perfis de receitas nas redes sociais e sempre encontrava uma para fazer durante a semana e suas cobaias eram os filhos. Essa era sua maior diversão, sem contar a presença dos netos.
Ana nasceu em Silvânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Ana, Plinia Mércia Faleiro. Este tributo foi apurado por Ana Paula Amorim, editado por Ana Paula Amorim, revisado por Renata Nascimento Montanari e moderado por Rayane Urani em 9 de novembro de 2021.