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Ana Martins de Souza

1937 - 2020

Amante da Língua Portuguesa, sempre lia para seu pai após o almoço.

Na casa simples em Oriximiná, no Pará, Ana nasceu e cresceu ao lado do pai, da mãe, dos três irmãos e da irmã. Foi lá que ela foi fisgada pelas palavras. Ana sempre fazia questão de dizer que suas maiores inspirações eram o seu pai e a sua mãe.

Todos de sua família trabalhavam na roça fazendo farinha. Ela era a única que não ia, a pedido de seu pai. Ele era um senhor analfabeto, mas que tinha uma grande paixão pelos livros. Após o almoço, seu maior prazer era escutar a filha Ana ler várias páginas de algum livro para ele. Assim, a paixão do pai passou para a filha que, mais tarde, veio a se tornar professora.

A neta Gabriele lembra o quanto a avó gostava de dar aulas. "Ela era professora de Geografia e História, mas era apaixonada pela Língua Portuguesa. Sempre falava da profissão dela e do quanto era gratificante ver uma pessoa sendo alfabetizada".

No começo da juventude, Ana fazia parte do grupo religioso Irmãs de Maria. Foi na igreja que conheceu o seu esposo. No começo, o pai de Ana não aceitou bem o romance, mas depois viu que o rapaz era bom para a filha e autorizou o relacionamento. Eles se casaram e tiveram três filhos. Infelizmente, aos 22 anos, apenas dois anos após a união, uma fatalidade levou o seu companheiro, ficando viúva ainda jovem.

O acontecimento não abalou a fé de Ana, que permaneceu seguidora de Nossa Senhora de Nazaré. A neta Gabriele lembra do quanto a avó gostava de ficar ouvindo o terço ser rezado, enquanto copiava receitas em um caderno.

Das histórias que Gabriele guarda com carinho sobre a avó, uma é marcante. "Ela era apaixonada por festas comemorativas, principalmente o Natal. Uma vez, fomos comprar enfeites e, na volta para casa, a gente pegou um ônibus. Não sei como, mas as sacolas caíram de nossas mãos… Você pode imaginar o que houve. Os enfeites se espalharam por todo o ônibus".

Além de celebrar datas como o Natal, Ana gostava de celebrar a vida. Dona de uma estima alta, ela estava sempre se cuidando, fazendo hidroginástica no Parque do Idoso, indo ao salão fazer tintura nos cabelos. Inclusive, Gabriele lembra uma vez em que Ana sofreu um acidente enquanto comprava uma tinta para o cabelo e, mesmo assim, não interrompeu suas compras. "Manter a pintura do cabelo em dia era importante para ela".

Ana será lembrada pela neta como a avó que era vaidosa, que amava o Natal, que tinha grande fé, que honrou pai e mãe e que concretizou a bonita missão de ensinar.

Ana nasceu em Oriximiná (PA) e faleceu em Manaus (AM), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido Neta de Ana, Gabriele Carvalho Martins. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Michele Bravos, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 9 de janeiro de 2022.