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Ana Paula da Silva

1970 - 2020

Levava a vida muito a sério, mas não resistia a um forró e um karaokê.

Uma mulher ousada, feliz e linda, não apenas na aparência: é como se pode descrever a Ana Paula. Nordestina de nascimento, foi morar no Rio de Janeiro ainda muito nova. A irmã gêmea foi primeiro e depois retornou para buscá-la, para morarem juntas com a irmã mais velha, que já estava no Rio. Ana e sua gêmea foram sempre muito unidas: “Minha mãe nunca comemorava seu aniversário sem ela e nós íamos muito à casa dessa tia", conta a filha, Layla.

Ana morou durante algum tempo na casa da irmã e depois que saiu de lá, casou-se com Gilson. Começou a vender roupas e logo após teve a primeira filha, Lohany. Um ano e pouquinho depois, deu à luz a Wolfran e depois de sete anos vieram Layla e Lorena, que também são gêmeas.

Ela sempre foi uma mulher muito ligada à família: amava quando podia se reunir com todos e vivia para cuidar dos filhos e dos netos. Gerenciava a casa como ninguém! E domingo sempre era o dia de comer fora, fosse com o marido ou com toda a família. Ana permaneceu casada por dezesseis anos. Por causa da carreira militar de Gilson, foram morar em Brasília. Dois anos e meio depois eles se separaram e Ana voltou com os filhos para o Rio.

De volta ao Rio de Janeiro, Ana gerenciava os aluguéis de algumas lojas, de um apartamento e de quitinetes que possuía. Alguns anos depois, ela conheceu o seu companheiro, Jackson, com quem viveu quatorze anos; ela gostava muito de ir ao forró com ele e amava um karaokê.

Nos anos que passou gerindo seus aluguéis Ana teve que lidar com todo tipo de pessoa, inclusive com alguns homens bem machistas. "Mas ela sabia colocá-los no lugar. Ninguém mandava na minha mãe", conta Layla. "Ela tinha suas próprias opiniões e não havia quem a fizesse mudar de ideia. Sua vida teve muitos altos e baixos, mas ela nunca 'deixou a peteca cair'. Criou os quatro filhos e sempre nos ensinou que quem comanda as nossas vidas somos nós mesmos”.

"Minha mãe estudou só até o 9º ano do Ensino Fundamental. Mas como escolaridade não define a inteligência de ninguém, com sua coragem e intuição ela podia ser o que quisesse. Quando tinha algum problema para o qual precisasse processar judicialmente alguma empresa ou algo do tipo, ela mesma se defendia. Num desses processos ela fez tudo sozinha e ganhou a causa."

Ana amava política e sempre estava envolvida nesse meio. Conhecia muita gente e era queridíssima. "Gostava de conversar sobre política e tinha sua preferência: apreciava um conhecido político, pernambucano como ela", revela Layla. "Mesmo trabalhando em campanhas, ela não tinha partido".

Ana era humilde e sempre estava ajudando alguém; dando um auxílio ou o que quer que fosse. Layla conta: “Teve uma vez que alguém ligou e eu atendi. Era de um lugar que cuida de dependentes químicos, para onde todo mês minha mãe mandava uma quantia. Depois de desligar, eu falei que aquilo poderia ser um golpe. Ela rapidamente respondeu: ‘Filha não tem problema, eu estou fazendo a minha parte. Mamãe espera que eles estejam fazendo a deles também’. Isso ficou marcado em mim. Espero, de coração, ser igual a ela, ao que ela foi e representou para muitas pessoas. Ela era grandiosa”, finaliza Layla.

Ana nasceu em Passira (PE) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Ana, Layla Huback da Silva Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ozaias da Silva Rodrigues, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 6 de setembro de 2021.