1940 - 2020
Era querido em qualquer lugar que fosse. Sempre justo em reconhecer o valor de quem cruzasse o seu caminho.
Anatálio nasceu em Abaíra, interior da Bahia e mudou-se para São Paulo muito jovem, onde se alistou e serviu o exército. Depois, voltou para sua terra natal, já casado com Luzia, e com ela viveu uma relação que durou quarenta e cinco anos.
Nas palavras de Suzete, uma de suas filhas, eles eram: “Seres humanos diferentes, mas com qualidades complementares. Ele era o furacão, minha mãe a calmaria”. Ele cumpriu seu papel de provedor da família com excelência, mas carregava a dificuldade de não ter aprendido a demonstrar afeto, mas ela com sua maneira diferente de ser, soube completar o que ele não conseguiu suprir nesse sentido.
Foram pais de um filho homem e três filhas mulheres e, ao educá-los ele gostava sempre de repetir: “Temos que saber entrar e sair de todos os lugares. Seja lugar de rico ou lugar de pobre”.
Foi avô de um neto, que se tornou o grande amor de sua vida. Por ele chorou pela primeira vez; a ele, dizia sempre "eu te amo"; era um avô um babão”!
Nascido em uma família onde conviveu com mais sete irmãos, Anatálio teve muitos sobrinhos para os quais ele fazia o papel do tio bravo, mas que amava abençoar a todos quando lhe pediam a bênção. Seu pai faleceu muito cedo e desde então tomou para si as rédeas da família e tornou-se muito próximo dos irmãos e primos, numa relação onde exercia a função do chamado “pau para toda obra” quando dele precisavam.
Anatálio nasceu em um dia 23 de dezembro e a proximidade com as festas natalinas rendeu-lhe o apelido de “Seu Natal” que ele assumiu como um xodó. Um nordestino bravo e forte, que sempre exigiu as melhores notas dos filhos porque acreditava que estudar trazia um futuro melhor e, como costumava dizer, menos puxado.
Ele amava o Natal, tornando essa época inesquecível para os filhos, conforme conta Suzete: “Enchia a geladeira, comprava comida, gostava de festa, mesa farta e comida boa. Meu pai era um homem de fartura. Isso é o que mais lembra ele”.
Conta ela também que Seu Natal possuía umas manias inusitadas como “... palitar os dentes, dormir com as mãos cruzadas, comer de colher, beber café umas dez vezes por dia, cantarolar tomando banho e assistir ao programa do Raul Gil. Ele não gostava de música em inglês e nem de comida sem tempero".
Tudo com ele era muito intenso: Persistência, teimosia e sinceridade... Não aceitava que ofendessem o que ele tinha de mais importante: a sua honra. Gostava muito de contar histórias da sua juventude, conversar sobre política e dançar forró, dança que ele fez até aula com os aposentados do sindicato e ensinou para as três filhas.
Em família algumas histórias envolvendo Natal correram gerações, mas uma em especial foi contada e recontada como uma marca de suas traquinagens nos tempos de garoto, principalmente por sua mãe que viveu até os 104 anos. À época de sua infância era costume frequente marcar o gado com as iniciais do dono para que ele não se misturasse com os de outras fazendeiros. Isso era feito com ferro quente e ele, que gostava de viver como um bicho solto, não gostava quando lhe incumbiam desta tarefa. Numa destas vezes, uma irmã próxima dele na idade e muito apegada a ele, insistiu em ficar por perto durante esta missão e ele não queria marcar o gado e muito menos cuidar da irmã. E eis que, quando ela se distraiu, ele marcou sua perna com a letra “J” de José, a inicial do nome do seu pai. Na hora, foi uma confusão danada: A menina chorava de um lado pela dor que estava sentindo e ele, do outro, levando uns “cascudos” do seu pai por ter feito aquilo com a irmã.
Em sua vida profissional ele trabalhou inicialmente em roças e depois delas, dedicou-se à construção civil iniciando como pedreiro e, depois, tornou-se chefe de carpintaria. Muito trabalhador, era focado, dedicado e esforçado. Sentia muito orgulhoso de ser quem era e do que construiu e, sobretudo, valorizava os frutos do seu trabalho.
Com os colegas era cuidadoso e ao mesmo tempo exigente. Ensinava, puxava a orelha quando necessário, mas possuía um forte senso de justiça e sabia elogiar quando faziam por merecer.
Com os amigos, desde os mais antigos até os mais recentemente conquistados após sua aposentadoria no dominó ou Sindicato dos Aposentados, era fiel e era grato por toda vida a quem lhe fizesse algo de bom! Não demonstrava isso com palavras, mas procurava sempre agradá-los com presentes. Toda vez que um idoso ficava doente ou ele tinha notícia de que havia passado mal, ele procurava visitar, se oferecia para acompanhar ao médico e auxiliava da maneira que pudesse, fazendo-se sempre presente!
Muito querido no bairro inteiro que o conhecia, seu Natal deixou amigos e familiares sentindo sua imensa falta e saudades da boa convivência que com ele tiveram.
Anatálio nasceu em Abaíra (BA ) e faleceu em São Paulo (SP), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Anatálio, Suzete Oliveira da Silva. Este tributo foi apurado por Claudia Saviolo, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.