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André Danilo Zanfolin

1970 - 2020

Quando era criança tinha um ganso de estimação, ele o vestia com suspensórios e passeavam juntos rua afora.

Desde pequeno era um ser independente, curioso, questionador e visionário. André queria entender tudo, como as coisas eram e o porquê de ser daquele jeito; desmontava todos seus brinquedos, um por um, para ver como funcionavam. Tornou-se, não por acaso, empreiteiro, orgulhoso de sua profissão. Decidiu ser autônomo e abrir sua própria empresa, seu maior sonho era fazê-la alavancar e ter sucesso na prestação de serviços.

Decidiu entrar na igreja da Congregação Cristã do Brasil, onde permaneceu por mais de quinze anos e ali encontrou o amor em Susana, sua esposa com quem estava há cerca de cinco anos; juntos iam à igreja toda semana e faziam caridade, levando alimento e vestimenta para os mais necessitados; desse amor veio Nicholas, a maior felicidade de sua vida.

Irmão mais velho de três irmãs, sempre foi bem próximo de sua família, mesmo não podendo estar presente fisicamente, optava por ligar, fazer chamada de vídeo, sempre dava um jeitinho de se comunicar com suas irmãs e sua mãe, era o momento de curtir a família e relembrar momentos épicos da infância – que inclusive são vários.

Cecilia, a irmã mais nova, ouviu sua mãe contar muitas histórias da infância dele, uma mais engraçada que a outra, ela conta que André era muito levado e “uma vez ele subiu no muro para ver pipas, minha mãe gritou de baixo, ‘vai cair daí e arrebentar meu varal’”, lembra Cecilia, que logo mencionou outro episódio de brincadeiras do irmão: “uma vez ele prendeu uma panela de pressão na cabeça e levou horas pra tirar”.

“Com três anos ele pegou uma mochila, colocou uma roupa e um pão e disse que ia embora, naquela época não tinha perigo, minha mãe falou: 'está bem'. Ele passou uns minutos, sentado na calçada e perdido, sem saber aonde ir. Voltou e falou para a mãe: 'ah, resolvi ficar'”, conta sua irmã, com sorriso na voz.

Seu animal de estimação era um ganso, eles eram grandes amigos, aonde André ia, levava o bichinho vestido com suspensórios, até dormiam juntos, André escondia o ganso em baixo das cobertas, sua mãe ficava brava quando ia dar boa noite e achava o ganso na cama, foram bons companheiros por muitos anos.

André era a luz que espalhava felicidade, tinha a mania de arrancar sorrisos de qualquer pessoa, até mesmo das mais fechadas. Uma pessoa linda, sua áurea era de paz e leveza, por onde passava fazia amizade, conquistava todos facilmente com sua doçura e alegria. Não guardava mágoa de ninguém, com ele não tinha essa de sentimento ruim, sua energia era apenas o bem.

“Em uma das últimas chamadas de vídeo que fizemos, ele estava no carro, parado, e contou que não achava álcool em gel para comprar, comprou aquele de churrasqueira, aí, no vídeo, passou o álcool nas mãos e bateu no rosto falando assim: 'xô, coronavírus, aqui coronavírus não vem' e, infelizmente veio”, lamenta Cecilia.

Um dos momentos mais emocionantes de sua família, foi o Natal de 2019. Cecilia conta que André não comemorava o Natal por conta de sua igreja, mas naquele ano a família alugou uma chácara em Sousas e André foi com sua esposa e filho, queriam estar todos juntos, pois talvez fosse o último Natal de sua mãe. E, realmente foi o último dela e, infelizmente do André também. Cecilia perdeu a mãe seis dias após o falecimento do irmão, ela conta que a mãe não pôde aguentar a notícia.

Sempre antes de partir, como uma tradição, André dizia para sua família ‘Te amo e fica com Deus’. E hoje, está com Ele.

André nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de André, Cecília Zanfolin. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Beatriz Brito, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de agosto de 2020.