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Ângelo Prando

1937 - 2020

Foi íntegro, amoroso e cuidadoso, com plantas e pessoas.

Dona Amélia e Seu Ângelo conheceram-se em 30 de maio de 1959 na Comunidade da Igreja Católica, na região de Rio das Pedras, em Piracicaba, onde ele era Congregado Mariano e ela Filha de Maria da Cruzada. Uma semana depois ele a pediu em namoro para seu pai. Passados dois anos eles se casaram, em uma bonita cerimônia, e no dia seguinte rumaram para Santo André.

Dessa união vieram cinco filhos: Claudete, Cristina, Creusa, José Donizete (falecido) e a caçula, Maria Amélia. A esposa relembra com carinho a trajetória da família e as muitas reuniões familiares: "Por sete anos, pagamos aluguel enquanto construíamos nossa própria casa, no bairro do Jardim do Estádio. Lá, ele, com todo o capricho, cultivou uma vistosa horta, com plantações de milho, bananeiras e diversas hortaliças. Ângelo cuidava de seu jardim com todo o carinho do mundo e era aficionado por plantas. Durante toda a vida, não deixou ninguém colher suas verduras — dizia que só ele sabia colher, cortando pelo cabinho..."

"Nos reuníamos com nossas filhas, netos e era uma imensa alegria para nós. Nessas ocasiões, Ângelo gostava de beber caipirinhas que ele mesmo preparava. Junto da família, bagunçava, conversava sobre diversos assuntos, transformando os almoços e os aniversários na mais pura diversão."

Encanador industrial, trabalhou por muitos anos em uma empresa de especialidades químicas e depois em uma fábrica de automóveis, onde ficou até a sua aposentadoria. Por toda a vida, manteve o ânimo pelo trabalho; inclusive, empenhava-se na realização de horas extras para sustentar os cinco filhos.

Além da família, suas grandes paixões eram o Corinthians e os jogos de truco. Todas as vezes que assistia a um jogo do Timão ou que se reunia para jogar baralho era uma algazarra. Outro prazeroso costume, era tirar um cochilo na poltrona que a neta Carla lhe dera de presente. Dedicado ao Catolicismo, não faltava ao terço dos homens, à missa e às novenas.

A saudade aperta ainda o peito de Dona Amélia, que descreve o marido como seu fiel companheiro. "Ângelo foi um marido maravilhoso, um excelente pai e um avô carinhoso. Nossa felicidade era viajar juntos para conhecer novas cidades. Vivemos momentos de dificuldades, que juntos enfrentamos por ter um ao outro. Que falta ele me faz"!

Esta homenagem a Ângelo faz lembrar uma música que diz ficar sempre "um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas", e as muitas pessoas que dela participam formam um buquê de lembranças, em que cada uma delas se recorda, à sua maneira, do que de bom viveram com ele.

Começando pela primeira filha, Claudete: diz ela que só existem palavras bonitas e doces para se referir ao seu amado pai: "Dias antes do meu nascimento, meu pai ficava andando pela casa com um travesseirinho nas mãos, todo apreensivo. No dia em que nasci, ele riscou a data no calendário e escreveu: “Nasceu Cláudete” (com acento mesmo). Na parte de trás, a frase daquele dia era: 'A melhor maneira de tornar as crianças boas é torná-las felizes', de Oscar Wilde". Essa é uma das muitas lembranças que Claudete guarda com muito carinho.

Ela conta que, na infância, os filhos adoravam jogar futebol na garagem e Seu Ângelo sempre assumia a posição de goleiro. Uma vez, Claudete comentou que não gostava de uma foto sua quando criança, porque se achava feia. Na hora o pai comentou: 'Ai, minha filha, você era tão alegre'. Não esqueço dessa cena e dou risadas até hoje. Ele foi um pai maravilhoso!" E complementa, feliz por ter tido no pai um herói: "Meu grande incentivador nos estudos, orgulhava-se por ter dado meu primeiro material escolar e ao me ver estudar. Muitas vezes, parecia rude nas palavras, mas seu coração era enorme. Cuidava de todos, era um poço de bondade".

Cristina, a segunda filha, também relembra que o apoio do pai nunca lhe faltou. "Desde pequenas, ele sempre nos ensinou a sermos honestas e econômicas; mas, caso visse uma filha ou neto em apuros, não media esforços para ajudar. Volta e meia nos perguntava se precisávamos de algo. Tinha o costume de fazer uma 'fezinha' — como dizia —, com planos de ajudar toda a família, caso fosse o sortudo".

E continua falando das muitas lembranças de sua infância, como a existência de um poço artesiano que atraía os vizinhos em busca de água; do gosto e cuidado de Seu Ângelo pelas plantas e flores do seu jardim, e que só podiam ser levadas como presente para as professoras dos filhos se ele permitisse e se fossem tiradas do pé por ele mesmo; do seu jeito caprichoso de diariamente descascar laranjas logo que acabava de almoçar, chamando atenção para o fato de que o fazia sem machucar a fruta; de quando o pai trabalhou em uma fábrica de automóveis e costumava chegar no ônibus da firma com os presentes de Natal e os filhos iam ansiosos esperá-lo na esquina de casa.

Conta ainda: "Em 1987, nosso único irmão faleceu em um acidente de carro, com apenas 20 anos, fazendo com que as quatro irmãs se tornassem inseparáveis. Por hábito, meu pai só nos chamava de filhas, mas quando estávamos juntas, para diferenciar, eu era a Cris. Todos tinham o costume de pedir a bênção ao pai, até o cãozinho da família, que se chamava Juli, estendia a patinha para ele, para também ser abençoado.

Para Creusa, a terceira filha, ele “foi o homem mais lindo, educado, organizado, cheiroso e respeitoso que já conheci: a melhor pessoa desse mundo! Tinhas olhos azuis muito bonitos, que nenhuma das filhas herdou. Desde muito cedo ele nos ensinou o valor da integridade e da ajuda ao próximo. Talvez por isso eu tenha sido sempre muito ciumenta em relação a ele. Não gostava de ver outras mulheres conversando com meu pai. Certa vez, arrumei confusão na feira porque uma mulher pegou em sua mão enquanto ele estava escolhendo tomates. Depois, descobri que ela tinha sido namorada dele quando solteiro; ou seja, não briguei à toa”.

“Como pai, sempre foi nossa riqueza; tratava a esposa e as filhas com um cuidado todo especial. Como a diferença entre as três irmãs mais velhas era muito pequena, nossos pais nos vestiam com roupas iguais. Então, por onde passávamos, as pessoas acreditavam que éramos trigêmeas. Nos almoços em família, fazia questão de descascar laranjas para nós."

Creusa também se recorda de muitas características do pai: um andar rápido, que ninguém conseguia acompanhar; de como ele se satisfazia com uma boa macarronada e polenta com ovo mole; de não perder uma missa e ensinar a ter uma fé inabalável e crer nas pessoas; de como fazia tudo o que precisava ser feito e que, quando não sabia algo, buscava imediatamente o aprendizado; de como dizia para as filhas não apertarem as frutas em respeito às outras pessoas que as fossem escolher depois delas.

Recorda-se também que, nas horas livres, ele se dedicava aos cuidados com as plantas sempre alimentando o sonho de comprar uma chácara. E fazia palavras-cruzadas, assistia ao telejornal e também que, divertidamente, 'brigava' com todo mundo que passava na TV, como se fossem seus conhecidos.

Ela continua, contando das muitas lembranças marcantes que carrega do pai: da alegria de quando nasceu seu filho Ferdinando, quinze dias apenas após ele ter perdido o filho; de como ele preenchia o tempo jogando baralho e dominó com os filhos dela desde a hora em que os buscava na creche, próxima a sua casa, até a noite, quando Creusa ia buscá-los para levá-los para casa; dos muitos encontros familiares e da comemoração das Bodas de Prata dos pais, momento em que todos os filhos e netos assistiram a uma linda missa, registrada por meio de fotos que permitem reviver toda a emoção daquele dia.

Creusa arremata: “A presença do meu pai sempre será marcante em minha vida, principalmente nos detalhes do cotidiano: foi ele quem me ensinou a escolher frutas. Hoje, quando chego ao mercado, sei que o limão com mais caldo é o que tem a casca fina — aprendi com o homem cuja caipirinha era a melhor desse mundo! Hoje, a canção que sempre me faz lembrar meu pai é "Naquela Mesa", de Nelson Gonçalves e Raphael Rabello:

'Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim'.

Também Maria Amélia, a quinta filha de Ângelo, fala da relação de cumplicidade que viveram e aponta, como exemplo, o fato de ter sido ele a primeira pessoa para quem contou da gravidez de seu primeiro filho, na condição de solteira e assustada, e que ele lhe disse para ficar calma porque tudo daria certo.

Fala nele como: “Pai carinhoso e dedicado; amava quando ele me coçava a cabeça e as costas, fazendo uma massagem que faltava quebrar os meus ossos! Graças a ele, me tornei corintiana. Foi ele quem sempre me apoiou em todas as escolhas e decisões da minha vida e, definitivamente, sem ele eu não teria tudo que tenho hoje”.

Para ela, Ângelo cumpria o seu papel de avô de forma exemplar e demonstrava ter muito orgulho de sê-lo para cada um dos netos. Ficava feliz em buscá-los na creche quando pequenos, e por lhes ensinar as lições de casa, tomar a tabuada e também gostava de pedir que eles escrevessem os números em um caderno até que acabassem as folhas. Foi uma presença constante em todos os eventos que eles participavam, assistindo sempre na primeira fila e acompanhando todos os desfiles da neta Daniela, nos tempos de modelo-mirim.

Conta que nas reuniões familiares todos se encantavam com suas histórias da juventude e dos trabalhos que realizou durante a vida e que, mesmo com o passar do tempo, ele sempre tinha algo diferente para contar.

Homem valoroso, ensinou aos filhos e aos netos sobre honestidade, respeito e generosidade que não media esforços para ajudar quem quer que fosse. Fazia um bolo de mandioca que só de sentir o aroma dava água na boca. Sonhava em viajar pela Europa, o que o motivou a aprender espanhol.

Maria Amélia conclui sua homenagem dizendo: “O exemplo e o amor que ele nos ensinou faz com que no meu coração só caiba saudade, orgulho e gratidão por ser sua filha".

Os netos Bruno e Ferdinando e as netas, Graziele, Daniela e Karina, também fazem questão de comporem o buquê de lembranças de Seu Ângelo.

Nas palavras de Graziele, o avô "era notado por onde passava: sempre portando um de seus inúmeros chapéus, levava um pente no bolso de sua camisa social, para alisar os cabelos diversas vezes ao dia. Prevenido que só ele, carregava também uma caneta azul para realizar uma 'fezinha', pois tinha fé que um dia ganharia na loteria para dividir o prêmio com sua família. Em meio a passos apressados, calçando o seu inseparável par de sandálias de couro, exibia um semblante doce, realçado por seus olhos azuis, e um riso fácil, que encantava todos ao seu redor”.

Conta que ele também era carinhosamente chamado de Vô Lilo ou Seu Angelim, destacando algumas de suas muitas lembranças, tais como ele estar sempre acompanhado de sua esposa, Dona Amélia, com quem foi casado por quase sessenta anos; de que dava abraços apertados e beijos carinhosos nas filhas e nos netos e de como dava para perceber no olhar das filhas o carinho e a admiração que tinham por ele, por ter sido sempre um pai exemplar.

Assim como sua mãe e suas tias, recorda de todos os seus hábitos e de que ele, com seu propósito de ser útil aos outros, gostava de fazer alguns reparos elétricos em casa; que era apaixonado pelo Corinthians e não perdia uma só partida; que gostava de fazer ginásticas e exercícios, ensinando a ter cuidados com o corpo e a mente independentemente da idade; que apreciava cortar a couve bem fina e comer queijo meia cura derretido com arroz e feijão; de como era presença garantida nas festas familiares, fazia suas caipirinhas de limão que todos amavam e adorava tirar fotos; de como para ele, o importante era estarem todos juntos, bebendo, contando piadas, conversando sobre diversos assuntos e era sempre o primeiro a procurar um baralho para jogar truco; que vô Lilo era bastante competitivo e não aceitava perder e, finalmente, que exigia que levassem a sério os jogos que ele ensinou a todos.

Em resumo, o avô era “um homem íntegro, amoroso e querido por todos, que deixou o exemplo da honestidade e recordações que aquecem, protegem e amparam a nossa alma, o que mantém a esperança de que um dia nos reencontraremos”.

A neta Carla assim o define, com admiração: “Homem trabalhador e de caráter ilibado. Foi um excelente pai, um avô extremamente amoroso e o melhor jogador de truco que já existiu. Seu passatempo favorito era fazer palavras-cruzadas. Ensinou os netos a jogar dominó e a assobiar. Tinha uma fé admirável e jamais será esquecido"!

Karina, por sua vez homenageia o avô dizendo: “Agradeço cotidianamente a sorte de ser da sua família, avô. Agradeço por sua generosidade com quem você amava e com desconhecidos, pois você era simplesmente gentil, naturalmente generoso com todo mundo e eu amava isso em você. Amava estar com você e absorver tudo de melhor que você tinha para oferecer; cada ideia sobre a vida que você tinha, cada reflexão sobre todas as coisas e cada expressão de carinho vinda do seu coração. Amo muito você, avô"!

"Jogar truco... sim, eu aprendi para ter o imenso prazer de jogar com você — e ganhar, lógico! E após as refeições ter as laranjas descascadas com todo cuidado; sim, é simples para muitos, mais para nossa família a lembrança do senhor é que sua simplicidade nos ensinou puro amor em tudo. E a atitude de que sempre somos capazes, basta crermos, ficará marcada eternamente! Nosso modelo como homem exemplar em tudo nas nossas vidas!”

Ferdinando também não poupa elogios ao avô: “Desde muito cedo, meu avô me ensinou a jogar truco: sinto que a cada toque rabugento de quando fazíamos dupla era um ensinamento sobre como lidar com as adversidades na vida. Depois que meu avô partiu, ver as cartas do baralho parecia trazer um vazio imensurável, mas hoje toda vez que nos reunimos para um jogo de truco sinto como se ele estivesse lá. Quando jogamos, as recordações se tornam ostensivas: impossível não lembrarmos dele, com aquele sorriso sacana de quem está te enganando e tirando um sarro de todos".

“Por um ano, morei com meus avós antes de me mudar para o interior. Mesmo tendo 19 anos, nunca tivemos uma conversa efetiva sobre a vida, mas sim pitadas de conhecimento com toda a sua singularidade. Meu avô era simples, afetuoso e de alma espirituosa. Uma das minhas recordações preferidas é que sempre que alguém se sentia para baixo, ele lembrava de uma situação pior, vivida por ele ou por aquela pessoa: transformava a situação em algo leve e dizia que a vida já tinha sido pior, que aquela dor era momentânea e logo se tornaria nada, apenas um sentimento passageiro.”

Ferdinando se lembra que à noite ele sempre assistia a novelas infantis e que demonstrava um profundo amor pela família, arranjando sempre um motivo para se reunirem, independentemente do momento e conseguia que todos estivessem juntos para trocar energia e aproveitar o tempo um do lado do outro. E conclui dizendo: “Pode parecer meio clichê, mas o meu avô me ensinou o verdadeiro significado do amor”.

Para finalizar esta significativa homenagem, o neto Bruno também faz o seu agradecimento ao Seu Ângelo: "Vô e padrinho querido, obrigado por sempre cuidar de mim e me acompanhar nessa jornada da vida! Eu me tornei o homem que sou hoje graças ao senhor, que me fazia escrever todos os números possíveis em um caderno, me ensinou a jogar futebol e me incentivou a seguir os meus sonhos! Meu avô, meu grande parceiro de bagunça".

A missão de Ângelo Prando foi cumprida e ele se tornou a maior saudade de sua esposa, das suas quatro filhas, de seus quinze netos e de seus dois bisnetos!

Ângelo nasceu em Rio das Pedras (SP) e faleceu em Americana (SP), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa, pelas filhas e pelos netos de Ângelo, Amélia Prando, Claudete Prando, Cristina Prando, Creusa de Lourdes Prando de Almeida, Maria Amélia Prando, Graziele Prando Tavares Silva, Ferdinando Prando, Bruno Prando, Karina Prando e Carla Malavasi. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 5 de setembro de 2022.