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Anilce Couto do Nascimento

1936 - 2020

Com sua doçura e delicadeza, dominava como poucos a arte de entrelaçar: tecia fios, afetos e boas prosas.

Não havia quem não se encantasse, logo à primeira vista, pela doçura do sorriso e delicadeza dos gestos de Anilce. Seu ar jovial e sua imensa disposição, faziam as pessoas duvidar quando ela dizia quantos anos tinha. Estava sempre a postos para fazer o que fosse necessário em seu cotidiano.

Na juventude, enquanto trabalhava em uma loja, acabou se afeiçoando às três filhas de seu patrão. Cuidava com afinco das meninas e, volta e meia, nos finais de semana, as levava para sua casa. Já naquela época demonstrava o quanto seria uma mãe zelosa e devotada aos filhos.

Mais tarde, Anilce conheceu Justino, o grande amor de sua vida, em uma festa promovida pela igreja em Itajaí, Santa Catarina, sua cidade natal. A partir dali, não se desgrudaram mais, vivendo um relacionamento de muito amor e companheirismo por trinta e seis anos, até a partida dele. Justino sempre se declarava à amada dizendo que jamais conseguiria viver sem ela.

Após o casamento, dedicou-se integralmente ao lar e aos cuidados do marido e dos três filhos do casal: Maisa, Neise e Gilmar. Para ela, a família sempre foi prioridade: estava sempre ao lado dos filhos e os confortava quando dela necessitavam. "Quando eu estava triste, bastava ouvir a voz dela me acalmando que as coisas logo melhoravam", conta a filha Maisa.

Com tanto amor, que mal lhe cabia no peito, realizou-se por completo com a chegada dos netos, Miguel — que por muito tempo ficou sob seus cuidados — e Isabela. Dizia sempre que eles eram o ar que respirava, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para agradá-los: fosse para lhes oferecer lanches, cuidar dos cachorrinhos da Isabela quando ela viajava ou ainda sempre defendê-los caso alguém se atrevesse a brigar com um dos dois. "Quando tive a Isabela, minha mãe chegou no quarto da maternidade antes de mim, pegou a bebê no colo e, com os olhos marejados de emoção, agradecia a Deus pela neta. Ela era uma pessoa com um coração imenso e muitas vezes esquecia de si para colocar os filhos e os netos em primeiro lugar", recorda Maisa.

Nas horas livres, dedicava-se ao tricô — arte que aprendeu ainda menina e que dominava como ninguém. No tilintar das agulhas até o arremate, blusas, vestidos e roupinhas para bebê eram confeccionados. Quando encontrava mulheres grávidas, logo se propunha a tecer suas linhas para que roupinhas aconchegassem os bebês em seus primeiros meses de vida. Ali, no passo a passo da receita, era possível enxergar toda a sua entrega e o seu carinho para com o outro. Quando queriam pagá-la por suas peças, não aceitava: o tricô era, antes de tudo, seu modo de demonstrar amor.

Para Anilce, alegria era ter pessoas queridas à sua volta. Tinha plena satisfação em receber visitas e prontamente ia colocando a mesa para servir café com cuca doce ou bolo de chocolate para seus convidados. Habitualmente, tomava seu cafezinho à tarde, estando calor ou não. Em seus almoços, não podia faltar o famoso cozido de carne e a bananada, que ninguém sabia fazer igual. Todo esse carinho era retribuído com visitas constantes e passeios em família. Bastava apenas um convite e ela logo estava pronta.

Dotada de uma alegria contagiante e sempre muito falante, adorava conversar sobre quaisquer assuntos. Não havia quem não gostasse dela. Nos aniversários, lembrava de todos, sendo sempre a primeira pessoa a ligar para os ensejos de felicidade. Tinha o costume de se apresentar aos outros como "Anilce, às suas ordens", colocando-se à disposição para o que desse e viesse. "Uma vizinha comentou que o prédio onde minha mãe morava ficou mais triste e sem graça depois que ela se foi. Minha mãe gostava de ser útil e era muito querida por todos. Quando íamos a algum lugar, ao primeiro descuido, lá estava ela conversando e fazendo amizade com alguém", conta Maisa.

De tantas conversas, memórias e sorrisos, ficam as três valiosas lições que Anilce ensinou: ajudar os outros sem esperar nada em troca; receber a todos com sorriso e gentileza; e que não existe problema algum que não possa ser resolvido. Todo o cuidado e dedicação que tinha ao fazer tricô diz muito ao seu respeito: os novelos de lã formam sua jornada terrena; o entrelaçar dos fios, as lembranças e os ensinamentos que deixou; o arremate, os laços eternos e sólidos que formou com seus amores durante toda a vida.

Anilce nasceu em Itajaí (SC) e faleceu em Joinville (SC), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Anilce, Maisa Cristina do Nascimento. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Andressa Vieira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 19 de janeiro de 2022.