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Anita Watanabe Saito

1920 - 2020

Deixava até de viajar para cuidar das suas samambaias.

Esta é uma carta de Alessandra para sua avó, Anita:

Anita nasceu de uma família de imigrantes japoneses, em São José do Rio Preto, no dia 25 novembro de 1920.

Nasceu no final da pandemia de gripe espanhola e morreu durante a pandemia do coronavírus, com quase 100 anos.

Uma mulher simples, semianalfabeta, que não pôde estudar porque tinha que cuidar de seus irmãos: Maria, Mario, Felicia, Toyoki, Iracema, Sonia, Osvaldo, Laura e Maria Ruth. Aprendeu a costurar e a cozinhar.

A família toda se mudou para a capital, São Paulo. Casou com um imigrante japonês, Saito-san e tiveram duas filhas — Sandra e Yeda.

O marido da Anita teve tuberculose e não conseguia trabalhar. Ela costurava e vendia também quadros feitos de bordado e foi sempre guardando dinheiro para adquirir imóveis e para fazer o enxoval das filhas.

Nesta época, moravam no bairro da Casa Verde, na capital paulista. “As filhas casaram e bem”, como ela sempre dizia. Mas o marido da Anita morreu de câncer, não lembro o ano. Logo em seguida, a filha Yeda não resistiu à leucemia.

Foi cuidar dos filhos de Yeda, mas depois de um tempo houve uma mudança de caminhos. Anita levou a vida adiante, casou-se outra vez, agora com o seu Joaquim, que de português, só tinha o nome. Era um japonês muito calado. Moravam num apartamento dela, no centro de São Paulo.

Ela amava plantas e flores. Deixava de viajar porque não tinha quem cuidasse das suas samambaias.

Tinha o sonho de dirigir. Lembro-me dela estudando 500 vezes uma caderneta com os símbolos de tráfego. Fazia aulas de dança e hidroginástica na ACM/YMCA e adorava cores claras — para ela, preto era cor de roupa de enterro.

Adorava cuidar dos netos (Alessandra, Lisandra, Caio Vinicius, Priscilla e Klaus) e gostaria de ter cuidado dos bisnetos (Phillip, Leonardo e Giovana).

Mas ela foi ficando esquecida, sua mente não era a mesma e, depois de muitos anos, foi morar numa casa de repouso. Ela pensava que lá era um pensionato e que precisava cobrar dinheiro dos inquilinos.

Depois de anos e anos de Alzheimer, quando ia completar 100 anos, um vírus entrou pela janela e levou minha avó.

O que mais me faz lembrar dela é a pureza do coração, a inocência... Mesmo depois de tudo que passou, tinha sempre um sorriso no rosto.

Vó Nita, sabemos que você entrou na eternidade com seu vestido cor-de-rosa, e foi recebida de braços abertos por Jesus.

Anita nasceu em São José do Rio Preto (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 99 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Anita, Alessandra Saito Regatieri. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 13 de setembro de 2020.