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Antônia Tereza Carriel Gomes

1938 - 2020

Amava carnaval e viajar. Lutou para alcançar seus objetivos e conseguiu.

Esta é uma carta aberta da filha Isabel, para sua mãe Antônia:

A minha mãe era uma pessoa muito inteligente e alegre.

Teve a infância muito pobre, ficou órfã de pai aos 15 anos e como sua mãe era professora nas comunidades ribeirinhas, era ela quem cuidava dos quatro irmãos menores. Daí deve ter desenvolvido sua exigência por limpeza e organização. Orgulhava-se de contar que o sogro sempre elogiava as fraldas branquinhas dos filhos no varal.

Apesar das dificuldades na infância, adorava os sabores que a remetiam a essa fase, tais como: abacate com farinha e café, membeca frita com arroz, goiaba verdolenga ou o do perfumado jambo.

Fez Escola Normal e dava aulas para o Primário. Ensinou muita gente a ler e escrever, e levava muito a sério sua profissão, orgulhava-se dos alunos. Só uma vez não conseguiu chegar à escola, que ia a pé por seis quilômetros em estrada de terra, devido à presença de uma aranha-caranguejeira no meio do caminho. Esse era seu grande pavor: aranhas.

Valorizava muito os estudos, tanto que parou para criar os três filhos, e retomou trinta anos depois, passando já no seu primeiro vestibular para Ciências Contábeis, na UFSC.

Não gostava de receber flores, achava dinheiro jogado fora, mas uma vez foi ao show do Roberto Carlos e recebeu uma rosa das mãos do rei, que adorava, foi a glória!

Apesar dessa característica parecer pouco romântica, era muito casamenteira e muitos casais de amigos e familiares se uniram através de suas ações de cupido e também das orações para Santo Antônio.

Amava viajar, tinha rodinha nos pés. E quando a situação financeira permitiu, conheceu praticamente o mundo inteiro, viagens evidenciadas por sua coleção de colherezinhas na parede da sala. Não esquecia nenhum detalhe dos lugares que visitou, sempre acompanhada do meu pai, a quem chamava de Espirrinho, porque é pequeno magrinho, com quem ficou casada por cinquenta e nove anos.

Era apaixonada por carnaval, uma vez se fantasiou de homem e com uma amiga só para não perder o baile que o marido da amiga a tinha proibido de ir. E enquanto o fôlego aguentou, desfilou na ala das baianas na sua terrinha natal, Cananéia.

Devido a essa paixão, sabia sempre uma marchinha de carnaval para aplicar em situações corriqueiras como: "é dos carecas que elas gostam mais", para defender o genro sobre piadas da falta de cabelos ou invocar "alalaô" nos dias de calor.

Amava demais os cinco netos, só sentia não poder comprar roupinhas de lacinhos, por serem todos meninos e invocava com suas barbas, quando ficaram marmanjos. Era igualmente amada por eles e pelos bisnetos: Matheus e Isis.

Estava sempre arrumada, perfumada, maquiada e elegantemente vestida, fosse para ir a uma festa ou "bater perna" na rua.

Sempre antenada nas novas tendências de moda, gastronomia ou tecnologia, sabia conversar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto de igual para igual - amiga, confidente e conselheira.

Tinha uma vocação natural para a área de saúde, sempre relacionava sintomas com doenças e sabia que remédio usar para qualquer problema.

Ironia do destino ou caminho de Deus, não houve tratamento que tenha conseguido acabar com a covid-19 e fomos privados, precocemente, de suas histórias, da sua companhia e do seu sorriso.

Antônia nasceu em Cananéia (SP) e faleceu em Florianópolis (SC), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas filhas de Antônia, Márcia Cristina Carriel Gomes e Isabel Cristina Gomes Meier. Este tributo foi apurado por Michelly Lelis, editado por Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 1 de agosto de 2020.