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Antônio Gois de Figueiredo

1929 - 2020

Passava o dia em sua cadeira de fio, apreciando a sombra do abacateiro que cultivava com tanto carinho.

Antônio trabalhou muito tempo como servente embaixo de sol. Pai de 13, com muito sacrifício e ajuda de sua esposa Celcina, fez de tudo para criá-los bem. Pai “das antigas”, era rígido e não gostava muito de abraçar e beijar; impunha o respeito fazendo questão de ser chamado de senhor. Uma presença forte e majestosa dentro de casa. Com a chegada dos netos e bisnetos, seu coração encheu-se de amor e transbordou de tanto orgulho e satisfação pelo legado construído.

“Lembro-me que fui à igreja, era o Dia dos Pais, e disseram ‘Quem nunca abraçou seu pai, quem nunca deu um beijo, nunca disse eu te amo, faça isso hoje’. Cheguei na casa dele e pensei... 'Como vou fazer isso? Nunca fiz isso'. O respeito era muito grande. Mas disse comigo mesma 'Hoje eu faço!'. Abri a porta, cheguei perto dele e falei assim 'Eu amo muito o senhor!', dei-lhe um beijo e ele respondeu 'Eu também te amo muito.', e deu-me um cheiro. Ele nem sabia beijar direito. Nunca vou esquecer aquele momento”, conta sua filha Selma.

Antônio tinha como princípios a simplicidade e a humildade; de coração muito bom, foi abençoado pelo dom da partilha. Quem chegasse em sua casa logo recebia um prato de comida, sua preocupação era que todos se alimentassem e se sentissem bem. Selma conta que, quando eram crianças, Antônio comprava uma bengala de pão e dividia um pedacinho para cada um dos irmãos.

Nos momentos de distração, Antônio adorava joga baralho, se animava em jogar Bica, tinha o costume de esconder algumas cartas para alegrar mais o jogo, era uma diversão sem fim. Antônio foi pai herói, inspiração de alegria.

“Sinto muito a falta dele, eu gostava muito de brincar com ele, fazer cócegas. A última vez que consegui interagir com ele, fiz uma vitamina de abacate e dançamos, esse momento foi filmado. Várias vezes coloco aquele vídeo e vejo como se o estivesse abraçando e dançando com ele neste exato momento”, conta a filha.

Apaixonado por cachorros, tinha três cadelinhas, suas companhias inseparáveis até nos dias de calmaria em que Antônio ficava a maior parte do tempo à sombra do abacateiro que cultivava com tanto amor, oferecendo a fruta para quem desejasse. Uma de suas cadelas, Cristal, a mais nova, até hoje vai até a porta do posto de saúde e fica parada lá por algum tempo, Selma acredita que Cristal ainda espera que Antônio volte para casa.

“É uma despedida que você não teve, um abraço que você não deu, uma mistura de sentimentos, peço força para Deus todos os dias. Nunca imaginei que meu herói fosse embora sem que eu pudesse olhar para ele e falar ‘tchau pai’”, lamenta Selma com o coração apertado.

Diante de adversidades, Antônio costumava citar o versículo João 14:6 “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. Antônio partilhou amor com sua amada esposa, seus filhos e sua família, criando uma corrente que dia após dia é cultivada com o arar de sua bondade.

Antônio nasceu em Catolé do Rocha (PB) e faleceu em Campinas (SP), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Antônio, Selma Vieira Figueiredo de Sousa. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Beatriz Brito, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 14 de novembro de 2020.