1953 - 2020
Ao contrário do seu apelido, Ferrugem, foi o pioneiro no Amazonas a fabricar biojoias.
Podem chamar de Ferrugem. Esse era o apelido daquele homem simples, que vivia de calção, camisa de botão aberta até o peito e chinelos.
Seu Ferrugem tinha uma voz alta e forte. Quem ouvisse de longe, pensava que havia uma briga, mas, aquela voz que amedrontava as pessoas, não fazia nada mais do que cativar amizades por onde suas ondas sonoras ecoassem.
Os ensinamentos do Sr. Ferrugem para os seus dois filhos, Marcelo e Vinícius, que tivera com Tânia, foram sempre baseados na sua vivência quando não tinha roupa para vestir e nem teto para se abrigar. Uma demonstração do valor da conquista. E foi assim que Ferrugem conquistou, não só os seus filhos, mas o Amazonas.
Ao contrário do seu apelido, Ferrugem, foi o pioneiro no estado a fabricar biojoias. Após lanchar tucumã com os colegas de trabalho, observou aquelas sementes jogadas no lixo e teve a ideia de polir as sementes. Não é que a ideia deu certo? Após o polimento, Ferrugem ficou encantado com o brilho e a qualidade das sementes para a fabricação de biojoias. E foi, a partir desse dia, que a sua arte com tucumã se disseminou Brasil afora.
Ferrugem era apaixonado pelo seu sítio, onde havia plantações de laranja-lima, tangerina, limão, tucumã e rambutan. E era para lá que sempre ia com sua família e amigos para se divertir. É impossível os vizinhos não conhecerem o barulho da Jabiraca descendo a ladeira da rua Bandeirantes. Jabiraca é o apelido dado a sua caminhonete S-10 verde, já desgastada de tantas idas e vindas ao sítio. “Ah, mas como era mágico o sítio do vovô!”, recorda a sua neta Yasmin, de 6 anos.
Amanda, nora de ferrugem, quebrando todos os "pré-conceitos" de relação de sogro e nora, lembra que a sua relação com Sr. Ferrugem era de pai e filha. E que quando o seu pai morreu, foi aí que Ferrugem ocupou mais espaço em sua vida. Para a formatura da nora, Ferrugem desenhou e produziu, especialmente para ela, um anel feito de Tucumã e prata. “Quem vai me trazer o pão italiano às 7:30, da manhã?”, esse é um dos gestos de carinho e cuidado que Ferrugem tinha com a sua nora e que nunca será esquecido.
Foi Amanda que deu a triste notícia de que os sogros estavam contaminados pela Covid-19. Eles caíram no choro. Tânia se curou em casa. No dia 18 de maio, antes de Ferrugem ir para o Hospital, fez uma breve despedida com os seus familiares que ali estavam presente. E afirmou que sua internação seria breve e pediu para que todos ali presentes cuidassem uns dos outros. Como sempre foi. Mas foi assim que aquela voz alta e forte foi perdendo volume e potência para os que não tiveram oportunidade de se encontrar, com Ferrugem, pela última vez. E a sua neta acredita que “vovô está feliz, porque encontrou os pais dele”.
Antônio nasceu em Manacapuru (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 66 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela nora de Antônio, Amanda Fadul de Oliveira Vasconcelos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 29 de julho de 2020.