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Antônio Lucas

1938 - 2020

Os flashes de sua história sempre mostraram que Antônio foi ensinado pela existência a ser forte.

Este tributo foi escrito pela filha de Antônio, Sueli:

“Não sei, só sei que foi assim” é frase que Chicó repete em O Auto da Compadecida quando não pode explicar direito suas invenções.

Eu vou usá-la para falar de sua partida, meu pai: “Não sei, só sei que foi assim”.

Você saiu sem direito a uma despedida maior por nossa parte. A vida não nos deu este privilégio, assim como não lhe proporcionou privilégios durante sua existência.

Os flashes de sua história sempre me mostraram que o senhor foi ensinado pela existência a ser forte, algo que sempre, inconscientemente, exigiu de nós.

Menino que perdeu a mãe ainda muito pequeno, quase de colo, criado pelo pai, imigrante espanhol que também demonstrou muita força na maneira como aceitou a viuvez e nunca quis outra esposa por medo de maus-tratos aos filhos. O menino Antônio cresceu, viveu, sobreviveu.

Desde muito pequeno, ao senhor foram oferecidos a terra, a enxada, a lavoura, o curral; o gado para cuidar e trabalhar; já que escola era um privilégio de poucos. Mal aprendeu a ler e escrever, mas tinha um domínio invejável dos cálculos.

Sendo por isso que sempre exigiu das quatro filhas e do filho que estudassem. Não queria para nós o mesmo destino que tivera.

A vida nunca permitiu que a fraqueza o dominasse: primeiro a perda da mãe, depois uma meningite, a luta por criar os filhos e o medo de deixá-los pequenos e desamparados como ficara um dia. Um AVC, uma cirurgia de carótidas, uma revascularização e tantos outros momentos. Sempre precisando ser forte!

Creio que se senhor foi anunciado por um anjo e ele deve ter dito: “Vai Antônio, ser forte na vida!"

Sei do seu jeito explosivo. Como o senhor muitas vezes me disse, contando situações de sua vida: “É minha filha, é difícil saber que estão te sacaneando e não poder fazer nada”. Ah, pai, há tanto que eu entendo e compreendo hoje dos jogos vorazes da existência, que posso entendê-lo um tanto melhor.

Mas como o senhor mesmo me disse: “Não se ganha todos os jogos”. Por agora, descanse.

Ficamos, adultos, preparados. O senhor cumpriu sua missão. Não nos abandonou. Não nos deixou em dificuldades, apenas com muita saudade.

Nós que não pudemos ficar ao seu lado como gostaríamos... Mas acho que foi, como sempre, uma forma de dar uma lição e nos lembrar daquilo que sempre pediu a nós, que fôssemos fortes.

Não me esquecerei de seu conselho quando fraturei a perna e o senhor vinha todo dia me ver: “É fácil caminhar sobre flores, quero ver você se manter de pé sobre os espinhos.” Estamos tentando.

Creio que sua vida daria um romance, quem sabe um dia...

Por agora, descanse, Antônio! Por agora, descanse.

Antônio nasceu em Neves Paulista (SP) e faleceu em São José do Rio Preto (SP), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta e pela filha de Antônio, Raiany Cora Lucas Adão Ita e Sueli Lucas Hernandes. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Rayane Urani, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 19 de outubro de 2020.