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Antônio Luiz Ribeiro

1941 - 2021

Dirigia satisfeito seu Fusquinha verde a caminho da praia, carregando seus dez filhos e sua amada Celina.

Seu Toninho era apaixonado pela vida. Ele estava sempre cercado de amigos e parentes queridos, aprendendo, ensinando e aproveitando suas andanças pela Terra. Boa parte delas aconteceram nos arredores do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, por onde começou a circular aos dezoito anos. Naquela época, logo após servir no Tiro de Guerra, Seu Toninho se tornou cobrador de ônibus na empresa São Bento, que fazia a linha do Centro Técnico Aeroespacial. Durante essas idas e vindas ele conhecia muitas pessoas e, de conversa em conversa, acabou indo trabalhar na gráfica local. Em seguida, migrou para o ITA, começando na gráfica e depois mudando para o departamento de eletrônica, onde se aposentou em 1992 como técnico dessa área. Ele era muito querido no serviço: todo mundo pedia a sua ajuda com um rádio, uma televisão, ou um equipamento qualquer em mau funcionamento. Muito habilidoso e solícito, ele acabava consertando.

Seu Toninho era casado com Dona Celina, uma mulher radiante e muito inteligente com quem teve dez filhos. Isso mesmo: dez filhos! Dona Celina e Seu Toninho estavam sempre juntos, já que sobrava afeto na casa, mesmo sem luxo. Cada filho ganhava uma garrafinha pequena de guaraná aos domingos e, no dia de fazer compras, o seu iogurte favorito. Além desses mimos, Seu Toninho adorava carregar os filhos na cadeirinha da bicicleta, quando chegava do trabalho. Mas, como trabalhava em dois locais, ele acabou precisando de um carro. Comprou um fusquinha 62, usado, verde, que durou bastante. Foram muitas histórias, muitas viagens para Caraguatatuba nesse fusquinha em que, ninguém sabe como, havia lugar para cada um dos filhos.

Todo pescador sabe: a tralha ocupa mais espaço no banco de trás do que dez filhos. Por isso, Seu Toninho sempre teve vontade de ter uma picape, sonho que realizou em 2019. Ele sempre fez amigos por onde passou: o querido Amaral, o Vitorino, o Dito Frango, o Manoel, o Vizinho, o Zé Luiz, o Luís Carlos, o professor Julinho. Não foi diferente quando se aposentou e entrou para o grupo da pesca. Ele era conhecido pelos pescadores como “Toninho Melancia” — imagina se ele não adorava a fruta? O pessoal da Quarta Nobre tem o seu Toninho como um pai. Com o coração tão grande e amoroso, todos queriam caber dentro dele. E cabiam.

Mas ele não era só apaixonado pela pesca, era também amante da cozinha e, logo que se aposentou, assumiu de vez o fogão. Quando a filha Ana Paula o visitava, Seu Toninho a recebia com o arroz-doce que ela tanto amava; já aos domingos, fazia a famosa macarronada que reunia filhos, netos e sobrinhos. E todo mundo tinha que falar que estava gostoso, ninguém podia se esquecer desse detalhe! Ele não gostava de comer em restaurante, tampouco de ficar em hotel. Adorava viajar para a praia com a família, principalmente no final do ano, mas era preciso alugar uma casa porque ele queria fazer a comida.

O Natal era sempre na casa do Seu Toninho. Com a família toda reunida, um dos filhos se fantasiava de Papai Noel, entregava os presentes para as crianças e para os adultos. E como todo mundo sabia que o Seu Toninho não era muito chegado em banho, os genros e os filhos faziam muitas brincadeiras. Quando chegava a sua vez de receber os presentes, todos queriam que ele abrisse os pacotes: surgiam buchas, sabonetes, xampus, toalhas e até chuveiro. Era muito divertido! Outro fato pitoresco e que arrancava risos de toda família era que o guarda-roupas dele era uma verdadeira mina de tesouros! Ele guardava muitas coisas lá ― tudo bem escondidinho ― principalmente os chocolates e as latas de leite condensado

Quando a neta que ele chamava de “Oncinha” foi diagnosticada com leucemia, Seu Toninho ficou desesperado. Disse que ia plantar cogumelo para curá-la. Além dos amigos e parentes, Seu Toninho também era um apaixonado pelos animais. Por isso, seu último pedido foi para que cuidassem da cadelinha Cacau com todo amor e carinho. Porque dos filhos, dos netos, bisnetos, sobrinhos e amigos, ele já estaria cuidando lá do céu. Ainda mais agora, que reencontraria a sua Celina.

Antônio nasceu em Paraisópolis (MG) e faleceu em São Jose dos Campos (SP), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela nora de Antônio, Lêda Maria Franco dos Santos Ribeiro. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Ricardo Valverde , revisado por Arnon Marques Antunes e moderado por Rayane Urani em 19 de novembro de 2021.