Sobre o Inumeráveis

Antônio Reinaldo Bregunce

1953 - 2020

Cochilava em frente à TV, mas se tocasse um samba na telinha, do nada ele se levantava e saía sambando.

Batizado com o mesmo nome da pequena cidade mineira em que nasceu, Antônio também guardava de sua terra natal a hospitalidade e o calor humano típicos do interior. "Não tinha tempo ruim para ele. Muito divertido, muito amigo de todos. Na rua, cumprimentava até quem não conhecia", afirma Karine, sua primogênita.

Antônio era de uma família de 11 irmãos. Moravam em Santo Antônio do Grama e mudaram-se para o Rio de Janeiro na esperança de uma vida melhor, "pois os tios, os irmãos da minha avó, já estavam aqui e haviam conseguido emprego", conta Karine.

Açougueiro de profissão, Antônio amava a clientela e a ela se dedicava dia e noite. "Na infância, tivemos muitos apertos financeiros. Ele trabalhava de sol a sol; eu via pouco o meu pai", revela. "Somente na adolescência nos aproximamos e pude entender todo o sacrifício dele para nos criar".

A família era tudo de mais importante para Antônio Reinaldo. Casado há mais de trinta anos com Natália, tiveram duas meninas. Karine, a mais velha, deu-lhe também duas netas: Duda e Bela. "Quando fiquei viúva elas eram muito pequenas, tinham apenas 2 e 4 anos, por isso ele se sentia o paizão de todas nós. Agora somos cinco mulheres saudosas: minha mãe, minha irmã, que é solteira e não tem filhos, eu e as netinhas dele".

Amoroso e brincalhão, fazia tudo pelas netas. "O grande prazer da vida dele era reunir a família e curtir a dupla. Aqui em casa, meu pai descia com elas para a piscina e ficava tirando altos cochilos enquanto elas brincavam", recorda Karine. Antônio também era muito ligado aos irmãos e às irmãs e costumava contar que não existia pudim melhor do que o da sua tia Nini.

Karine conta que, nos tempos de infância pobre, o pudim da tia Nini era a única sobremesa que o pai comia em casa. "Era uma fatiazinha para cada um e por isso era o mais gostoso", reflete. Visitar a tia Nini, portanto, era um dos principais passatempos de Antônio Reinaldo, além do dedinho de prosa com os vizinhos e de "implicar com a esposa", ri a filha.

A generosidade era outra característica marcante de Antônio. "Se ele tivesse uma moedinha no bolso, mas você dissesse que precisava dela, essa moedinha era sua", garante Karine, que, adulta, proporcionou ao pai as viagens que ele gostava de fazer. "Quando comecei a trabalhar, levava meu pai para os passeios que ele curtia: hotel-fazenda, praia... Onde estivéssemos todos juntos, ele estava feliz".

"Meu pai era bastante simpático e gentil. Saudade de flagrar os cochilos que tirava em frente à TV. 'Tá dormindo, pai?' 'Não, só descansando as vistas'. E se tocasse um samba, do nada ele se levantava e começava a dançar", revela Karine.

Nas festinhas de aniversário das netas, Antônio sempre chegava carregado de surpresas. "E se eu falasse que estava com vontade de comer determinada comida, no mesmo dia ele se virava para fazê-la, mesmo eu já sendo mãe".

A resiliência de Antônio era admirada pela filha. "Passou por tantas coisas e, sempre sorrindo, aceitava os percalços do caminho, sem se amargurar nem se revoltar. Tenho isso muito forte dentro de mim".

Segundo Karine, o pai nunca teve medo da morte e assim lhe ensinou: "Aqui é só uma passagem", falava. "O problema é que ele não me ensinou como conviver com essa dor da ausência do riso, da alegria e da certeza que ele tinha de que a vida é boa".

Antônio nasceu em Santo Antônio do Grama (MG) e faleceu em Duque de Caxias (RJ), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Antônio, Karine Bregunce. Este tributo foi apurado por Ana Helena Alves Franco, editado por Luciana Assunção, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 6 de fevereiro de 2022.