1939 - 2020
Ele era a própria festa. Todo domingo, vestia sua roupa mais alinhada, branca, e um chapéu de sua coleção.
Seu Tuninho, como era conhecido em todo o bairro, era um típico boêmio que, desde cedo, trabalhou duro para criar seus seis filhos com dona Maria. No meio desse caminho, vieram mais nove, de outros romances, mas o que importava era que, quando juntava a turma de 15 filhos, a festa era uma só.
Gostava muito de sambas antigos de Adoniran Barbosa, Demônios da Garoa, Fundo de Quintal. Com seu pandeiro e seu cavaquinho, ao lado de uma gelada, Seu Tuninho era a própria festa.
Todo domingo vestia sua roupa mais alinhada, branca, e punha o chapéu, item que não podia faltar no seu guarda-roupa — tinha uma coleção. Também colocava seus anéis de prata, uma corrente de prata no pescoço e saía pelo bairro, para passear. Por onde passava, muito cheiroso, chamava atenção por sua elegância.
Estava reformando a casa onde morava com sua companheira há 15 anos, Filó. Todos os dias, o casal ouvia música bem alto, bebia cerveja e dançava ao som de músicas românticas. Pela manhã, Seu Tuninho tinha uma rotina "sagrada": cozinhar inhame, banana-da-terra e coar café preto, que cheirava bem forte. Quem chegasse em sua residência, aos sábados, podia se preparar para provar uma feijoada bem-fornida, que ele mesmo gostava de fazer.
Torcedor roxo, aliás preto e vermelho, do Vitória, brigava com qualquer um para defender seu time. "Meu avô, onde chegava, fazia amizade, gostava muito de trocadilhos e todos caíam nas suas brincadeiras", conta a neta Naiara.
Aos sábados, chegava na casa da filha chamando: "Alaideeee, acorda pra cuspir, acorda!". Era a frase que fazia questão de dizer quando chegava. Depois, saía com Alaide, sua filha mais velha, para comprar carne, a qual ele fazia questão de escolher, pois dizia que ninguém conhecia carne como ele.
"Meu avô, além de tudo, era pedreiro de mão-cheia. Ensinou sua profissão aos filhos que, durante a infância e adolescência, lhe acompanhavam no trabalho. Construiu várias casas para pessoas do bairro e, até morrer, teve aquele vigor, de sempre tentar fazer algo", diz Naiara.
Em junho, completaria 81 anos e estava na expectativa de um bolo, mas seus pulmões já não eram mais os mesmos e foi hospitalizado. Em uma semana, o vigor de sempre sumiu e Seu Tuninho teve de partir. Como em uma festa que fica sem música de repente e todos se olham como a perguntar o que houve. O patriarca não está mais. Familiares e amigos agora precisam lidar com um silêncio novo, diferente. O samba ficou triste, mas repleto de memórias tão alegres.
Antonio nasceu em São Félix (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Antonio, Naiara Souza de Santana. Este tributo foi apurado por por Malu Marinho, editado por Lúcia Bettencourt, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 10 de outubro de 2021.