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Antonio Vicente da Silva

1940 - 2020

Um aventureiro que teve muitas paixões e poucos amores: a mulher com quem foi casado e os filhos.

Antonio era paradoxal como a alma humana. Conseguia ser turrão e marrento ao mesmo tempo que era carinhoso e manso. Era um nordestino típico.

Carpinteiro, tinha dom musical. Compunha e cantava, amava as horas que se dedicava às canções. Nunca comeu do pão da preguiça, era incansável no trabalho, mas, muitas vezes por ingenuidade, perdeu muito do que havia conquistado.

Foi casado uma única vez, com Maria. Nos tempos de namoro, a mãe de sua amada pegou os dois em um beijão de cinema. Eles estavam tão envolvidos que o chapéu de Antônio caiu. A mãe de Maria ficou tão espantada com o casal que deu um grito: "Eita, Antonio, até o chapéu caiu!"

Tiveram oito filhos: Sônia Maria da Silva, Celio Antônio da Silva, Suelington Antônio da Silva, Suleide Maria da Silva, Maria Aparecida da Silva, Marcelo Antônio da Silva, Solange Maria da Silva e Marcos Antônio da Silva.

Antonio ganhou superpoderes para proteger Maria e Cida (uma das filhas). A casa em que eles moravam estava prestes a cair por causa de fortes chuvas. Quando notou isso, ele segurou uma parede com as costas até que as duas saíssem. Arriscando a própria vida, só saiu da casa desabando quando mãe e filha estavam a salvo.

O casamento acabou porque Antonio traiu a esposa algumas vezes. A mulher o perdoou enquanto conseguiu, mas chegou num ponto em que preferiu se divorciar. Mas ele dizia que, embora tenha tido muitas mulheres, nunca deixou de amar Maria.

Aventureiro, viajou bastante. Era um ser humano que gostava da liberdade. Como um pássaro, gostava de voar, mas o suficiente para não se perder e ao ninho voltar para defender as crias.

Amava a natureza, cultivar plantas, fazer mingau pela manhã, comer batata-doce, cuscuz e banana.

Nunca perdeu a vaidade. Penteava os cabelos até para dormir.

Teve diversas paixões, mas apenas um amor. Aliás, amores: a ex-esposa e os oito filhos. Mesmo separados, Maria continuou a ter uma relação amigável com o ex-marido.

Ele morava no mesmo quintal e Maria "dava café para ele quando ninguém estava vendo", conta Solange. Ela disfarçava seu carinho por ele quando os filhos chegavam. Antonio tentava reconquistar a ex-mulher com um olhar cheio de amor, mas ela não quis mesmo voltar a ser a esposa dele. Porém, estava sempre atenta ao que ele precisasse. A qualquer sinal, chamava um dos filhos para cuidar do pai.

Nos últimos dez anos de vida, seu Antonio estava com Alzheimer em estágio bastante avançado. Esquecia que não estava mais com Maria. Voltava, frequentemente, aos tempos de namoro. Ele também estava sonhando muito com a mãe e o irmão, dizia que estava perto de sua partida deste mundo. Mas como tinha muito medo de morrer, acordava de madrugada para rezar.

A filha Solange desejava estar por perto quando isso acontecesse. O desejo foi cumprido. A médica liberou a entrada de uma pessoa no quarto para as despedidas finais. Como ela é profissional de saúde, entrou, agradeceu a tudo que ele havia feito por ela e pela família, fez as últimas declarações de amor e disse também, que o pai poderia partir com serenidade.

Foi isso que Antonio fez. Partiu para mais uma viagem depois de muito aproveitar este mundo.

Antonio nasceu em Limoeiro (PE) e faleceu em São Paulo (SP), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Antonio, Solange Maria da Silva. Este tributo foi apurado por Larissa Paludo, editado por Talita Camargos, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 5 de dezembro de 2020.