1964 - 2021
Aos 50 anos ingressou na faculdade de Psicologia, e assim, profissionalizou o que já era o seu dom nato: acolher pessoas.
Além de ser muito presente e companheira como mãe, esposa, filha e avó, Aparecida também se dedicava a ajudar o próximo. Estava sempre aconselhando, ouvindo e ensinando com uma sabedoria única, e muitas vezes abria mão de si mesma para cuidar do outro. Era chamada de Dona Cida pela maioria das pessoas, mas na família seu apelido era Nenê e Tia Pá.
Dona Cida gostava de cantar e geralmente fazia as tarefas domésticas entoando uma ou outra canção gospel como "Ao Único", "Deus Está Aqui" e "Não Há Deus Maior". Também gostava de costurar, de fazer crochê e de ir à igreja. Nas noites de sábado, um filme acompanhado de uma pipoquinha era diversão na certa para ela. "Ela nunca deixou de me dar um beijo e um abraço de boa noite, e mesmo depois que casei ela mandava boa noite por mensagem", conta a filha Beatriz.
A filha ainda relembra que a mãe cometia algumas gafes quando saíam juntas: "Uma vez ela confundiu o carro do meu pai com outro e tentou entrar no carro de um estranho. Noutra feita, em uma viagem, a gente queria ver as cerejeiras. Estávamos a pé e acabamos nos perdendo pela cidade. Não vimos as cerejeiras nada".
Ela trabalhou a vida toda como diarista. Aos 50 anos decidiu que iria se especializar para ajudar a curar dores da alma, conseguiu uma bolsa de estudos e com muito esforço — e algumas dificuldades vencidas — graduou-se com louvor. No auge de seus 55 anos, começou a exercer a Psicologia. Ela amava essa área e tinha acabado de montar o próprio consultório. Juntou dinheiro para o aluguel, para a mobília de segunda mão que comprou pela internet e contou com uma forcinha de Beatriz na reforma.
Com o consultório montado passou a atender e muitas vezes de graça. Sua predileção era o atendimento às famílias, crianças e adolescentes.
Aparecida tinha vários sonhos: fazer pós-graduação em atendimento familiar e infantil, ter um local próprio para tocar seu projeto e atender famílias e crianças carentes com acompanhamento psicológico, social e pedagógico. Estava procurando parcerias para realizar o projeto e tinha acabado de conseguir um lugar para isso quando partiu.
Com sua própria família era também muito presente, cuidava da mãe idosa, cuidou do neto para que a filha Giselle pudesse trabalhar e cuidou de Beatriz quando foi acometida por uma profunda depressão. Aparecida foi fundamental para cada um deles. "Ela parava o que estava fazendo pra ouvir a gente, pra aconselhar... ela gostava de contar sobre o dia dela também, gostava de jogar videogame com a gente quando éramos crianças. Aos quatro anos aprendi a ler com a ajuda dela. Ela brincava com os sobrinhos que iam em casa e gostava de ter a família reunida nas datas comemorativas", relembra Beatriz.
Já durante a pandemia confessou à filha Beatriz que seu maior desejo havia sido realizado: era ver as duas filhas criadas, felizes e bem-sucedidas. Ela se orgulhava do quanto Beatriz e Giselle eram amigas e companheiras.
Pouco antes de contrair o coronavírus descobriu que seria avó pela segunda vez e, mesmo assim, não deixava de se preocupar e de fazer mil planos com o bebê. Estava extremamente feliz e radiante com o novo membro da família que estava por vir.
Não importa como era chamada... Aparecida, Dona Cida, Nenê ou tia Pá deixou uma saudade absurda, um vazio enorme e um legado que será passado para as próximas gerações, especialmente para o netinho que não chegou a conhecer, mas que com certeza saberá o quanto a avó foi uma mulher incrível e que o amava profundamente desde que soube de sua existência.
Suas queridas samambaias, cultivadas por mais de trinta anos, representam a harmonia e o equilíbrio que Dona Cida proporcionou a tantos. Suas plantas continuam sendo cuidadas com muito carinho por Beatriz e darão brotos e sinais de que calma e sabedoria são os remédios mais acolhedores para os que necessitam de um afago na alma e um ombro amigo como sempre foi o dela.
Aparecida nasceu em Califórnia (PR) e faleceu em São José dos Campos (SP), aos 57 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Aparecida, Beatriz de Oliveira Santos. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2022.