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Aparecido Cardoso

1950 - 2020

Com um estilo próprio, estava sempre de óculos de sol no rosto. Por vezes, uns óculos de soldador mesmo!

Mais conhecido como "Cidão", nasceu em 17 de dezembro de 1950 mas só foi registrado em 7 de abril de 1951. Sendo assim, fazia dois aniversários por ano.

Sem poder trabalhar na roça, onde morava com seus pais e irmãos, por causa de um problema que tinha nos olhos, Cidão trabalhava como se fosse um taxista, levando as pessoas até a cidade em seu Jipe.

De família muito religiosa, conheceu a esposa na igreja. Casou-se aos 24 anos. Aparecido e Aparecida, Cidão e Cida. Se existe "alma gêmea", certamente era ela.

O início do casamento foi no sítio dos pais dele, mas por diversos motivos, que acentuaram-se com a grande geada de 75, a qual destruiu grande parte das lavouras de café, o jovem casal mudou-se para Mauá, no ABC paulista. Foram de trem de Londrina até São Paulo, levando as poucas coisas que tinham nas mãos e, na barriga, o mais importante naquele momento: o primeiro filho. Em janeiro de 76, nasceu o primogênito: Alexandre, o "Sande".

Com a ajuda de parentes, conseguiu comprar um terreno, onde construiu a casa, na qual morou sua vida toda.

No ano seguinte, nasceu a única filha do casal: Adriana, a "Ná".

Os anos 80 foram de muita luta. Era o final da ditadura militar. Naquela época, trabalhou na Rhodia e na Coral. Mas, ficou desempregado em meio às famosas greves sindicais do ABC e, para piorar a situação, ainda perdeu os filhos gêmeos, André e Anderson, dos quais ele nunca negou a saudade que carregava.

O temporal foi passando e os anos 90 chegaram trazendo alegria... nasceu mais um filho, a raspa do tacho — chegou o "Tadeu" (seu nome verdadeiro é Alessandro). Além do filho mais novo, a mesma década trouxe ainda a neta mais velha, Ariane, de quem era padrinho.

Ao longo dos anos, estabeleceu-se como "o mecânico da Pedreirinha", porque além de carros, consertava bicicletas, geladeiras, máquinas de lavar... Com sua bondade e seu espírito prestativo, conquistou os vizinhos, que sempre batiam um papo com ele em frente à oficina. Falando da frente da oficina, ali era o lugar de destaque da maior paixão dele — a Kombi, que superava sua paixão pelo Fusca e, até mesmo, pelo "charmoso" Passat marrom.

Com um estilo próprio, apesar de não ter sido apegado às vaidades, mantinha sempre a barba grande, os cabelos de lado e os óculos de sol no rosto.

Muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, frequentava as missas dominicais numa peregrinação que ia desde as 8h30 até as 19h.

Mantinha a romaria à Aparecida anualmente e, mesmo havendo tantos pontos turísticos para conhecer, não abria mão de subir o Cruzeiro, acendendo todas as velas apagadas ao longo da Via Sacra.

Autodidata em vários assuntos, foi na música que mais se destacou. Aprendeu a tocar violão e teclado apenas ouvindo, e enchia-se de orgulho ao tocar para a família. Fazia gosto que os filhos também aprendessem.

Em 2010, chegou a neta Alanys e, em 2012, o neto mais novo, o Ayron. Netos com os quais adorava brincar e tinha muita paciência.

Suas "Bodas de Rubi", os 45 anos de casado, seriam celebradas com uma festa grandiosa, cheia de convidados — viriam até os parentes do Paraná. A festa seria bem na Páscoa, um motivo a mais para celebrar a vida. Os preparativos da festa, que seria uma surpresa, já haviam começado no início de 2020.

Mas, a pandemia chegou antes e os convites precisaram ser desfeitos. Só os convites, a festa não.

Mesmo sem a centena de convidados, o núcleo da família comemorou as bodas, de um jeito extremamente simples, mas repleto de amor.

E, foi assim, celebrando o amor e a vida, que o Cidão deixou suas últimas lembranças.

Com toda a simbologia que o momento merece, todos que conviveram com ele vão se lembrar do homem simples, sem luxos, que viveu com intensidade sua "nada mole vida", e que tinha um sorriso fácil e espontâneo.

Viva o Cidão!

Aparecido nasceu em Tupã (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Aparecido, Alessandro Cardoso. Este tributo foi apurado por Ricardo Pinheiro, editado por Alessandra Capella Dias, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 19 de julho de 2020.