1959 - 2021
Atitudes agressivas batiam de frente com seus valores. Defendia e cuidava de pessoas e animais, em toda oportunidade.
Nascido no interior de São Paulo, Argemiro tornou-se motorista de caminhão e amava sua profissão. Criou os dois filhos sozinho, com um pouco de ajuda das irmãs, cumprindo o papel de pai e mãe. Pessoa de coração enorme, era apaixonado pelos filhos e netos.
Ele amava viajar pelo Brasil e quando fazia entregas somente perto de onde morava, sentia falta de dirigir para outros estados. Sempre contava histórias de suas viagens com muita empolgação. Uma delas, bem marcante, foi no Natal de 2009, que passou na Bahia com uma família que ele havia conhecido naquele mesmo dia... e ainda ligou para a filha e a fez conversar com todos os seus novos amigos. Outra, desta vez trágica, foi quando ele tentou evitar o suicídio de uma garota de 17 anos, na rodovia, e infelizmente não conseguiu... ficou muito mal com isso, porém fez o seu melhor, como sempre na vida.
Argemiro foi um pai muito amoroso, carinhoso, protetor e brincalhão. Falava “eu te amo” a toda hora, para os filhos e netos. Quando seus filhos eram pequenos, ficavam esperando ele chegar do trabalho e tomar banho, para correrem ao seu quarto, deitarem-se ao seu lado na cama — um em cada braço — e começarem a sessão TV: assistiam Babar, Beakman, Doug e Tintin. Até a vida adulta dos filhos, o paizão assistia a filmes com eles.
Anna, sua filha, conta histórias que marcaram sua infância: "Quando eu era pequena e ganhei uma boneca, coloquei nela o nome de Andreinha; e ele falava com uma vozinha, como se fosse a boneca que conversasse comigo. Desde então e para sempre ele virou 'a voz' das bonecas e dos animais de estimação. O engraçado é que eu entrava tão na onda, que chegava a parecer que eram eles mesmo que falavam.
Eu tinha 9 anos quando um garoto arrancou o lacinho do meu cabelo, jogou no chão e cuspiu em cima. Cheguei em casa aos prantos... meu pai estava colocando piso na cozinha e quando me viu chorando, saiu correndo atrás dele com o martelo na mão... só rindo mesmo! Aos 12 anos, tinha outro garoto que me provocava demais na escola e quando contei pra ele, ele foi na hora na casa do menino, furioso. Esse nunca mais mexeu comigo", conta.
Quando viajamos para a Caverna do Diabo, ele entrou comigo nas corredeiras, naquela água gelada, mesmo reclamando de frio! Lembro também dele me esperando chegar da faculdade para me ouvir falar do que eu havia aprendido e sobre as 'travessuras' das minhas amigas". Histórias lembradas com a saudade de quem aproveitou muito a vida ao lado do pai, que estará para sempre em seu coração.
Seu Argemiro era uma pessoa que todos amavam ter por perto em qualquer ocasião. Aos finais de semana gostava de tomar cerveja, fazer churrasco e ficar com os filhos e os netos. Quando bebia um pouco a mais, logo começava com suas famosas expressões: “tipo assim”... “saca”... Nesses momentos começava também a se lembrar de seu falecido cachorro e a falar com muito amor da mãe, que morreu quando ele tinha 17 anos — e caía no choro.
Tinha muitas habilidades e uma delas era cozinhar muito bem. Amava assistir ao Masterchef e vivia imitando o Jacquin quando eu cozinhava. Porém, a mais marcante delas era executar um espacate! Sim, ele tinha essa habilidade e deixava todos de boca aberta. No aniversário de 15 anos da filha ele entrou no meio da rodinha dos convidados que dançavam, fez uma dancinha e finalizou com sua abertura, levando o "público" ao delírio.
Era bugrino roxo. Louco pelo Guarani, não perdia um jogo pela TV e adorava ir ao campo assistir aos jogos com o filho ou com o genro. Amava Legião Urbana e sempre puxava alguém pra cantar “Faroeste Caboclo” nos churrascos. Outro hobby era passar horas vendo documentários sobre aviões, pegadinhas e trotes por um site de compartilhamento de vídeos. Porém, o mais engraçado era que ele tinha pavor — aliás, muito pavor — de barata! Dizia que se uma relasse nele, cortaria essa parte do corpo; quando via uma delas, chamava o filho para eliminar a bandida.
Argemiro era um homem muito inteligente, que gostava de discutir com a filha as disciplinas de sua faculdade, e a corrigia quando ela dizia “subir pra cima”: "É redundância", dizia ele. Anna conta mais algumas peripécias do pai, que o faziam ser uma pessoa divertida, além de um ser humano maravilhoso: "Meu pai adorava zoar o meu péssimo conhecimento em geografia fazendo perguntas sobre estados e países. Lembro também de uma frase que ele dizia pra zoar minha tia, irmã dele: “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até o fim o seu direito de dizê-lo”.
Amava crianças e gostava de conversar com elas, que se encantavam e sorriam para ele. Sempre chorava quando via algum animal ou alguma criança em sofrimento. Ficava revoltado se visse alguma maldade perto dele e não pensava duas vezes em se meter para defender a vítima.
Apaixonado por animais, sempre que via um cachorro na rua, falava para a filha, ao chegar em casa: “Tata, tinha um bebezinho, assim, assim, assim... lá em tal lugar... você precisava ver que lindinho; fiz carinho nele e dei um negocinho pra ele comer; mas que gracinha”. Era o perfeito encantador de animais, pois até os mais ariscos ficavam mansinhos com ele. Até gavião. Um dia um deles desceu na churrasqueira e ficou ao lado de Argemiro um tempão; ele deu linguiça e chegou até a fazer carinho nele. Até as calopsitas dos netos conheciam a voz dele.
Anna conta com emoção sua última história com os animais: "Meu pai teve um infarto e quando estava saindo com os paramédicos, falou: 'Precisa colocar comida pros cachorros e pros passarinhos', já que ele tinha o costume de fazer isso; quando fui visitá-lo no dia seguinte, contei que nossa cachorrinha estava muito triste e nem queria comer, com saudade dele, e ele chorou. E essa foi a última vez que o vi. Dois dias depois ele testou positivo pra Covid-19".
Seu Argemiro era leal, divertido e amigo de todos; amava os animais e as crianças; foi um exemplo de pai e avô. Está vivo na memória de todos, e será sempre lembrado pelas expressões que usava: “óia”; “vou mexer o doce”; “mahana”; “eu não intindi o que ela falou”; “bora, tomar uma”; “tipo assim”; “saca”. Foi muito amado e continua sendo amado nos corações que conquistou.
Argemiro nasceu em São João do Pau d'Alho (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Argemiro, Anna Marta Oliveira da Silva. Este tributo foi apurado por Larissa Reis e Claudia Saviolo, editado por Karina Zeferino, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 18 de janeiro de 2022.