1957 - 2020
Da janela de seu apartamento, monitorava as capivaras e os jacarés da vizinhança.
Aroldo é filho de José Pereira e Naura e tem cinco irmãos: Francisca, Maria de Lurdes, Sebastião, Nadeji e Conceição. Era o mais tranquilo e sossegado da família.
Nascido e criado na Baixada Fluminense, sempre esteve à procura de um lugar com verde, montanhas, qualidade de vida, onde pudesse se encaixar com acesso fácil às coisas básicas da vida, onde fizesse
suas caminhadas e compras no supermercado com facilidade.
Foi no Recreio dos Bandeirantes que conseguiu encontrar o sossego que tanto procurava entre duas coisas que o fascinavam: as montanhas cariocas que gostava de contemplar e o mar. Ali viveu por dois incríveis anos registrando a rotina das capivaras e dos jacarés que podia ver pela janela.
Era um homem bondoso, introspectivo, generoso, sereno, humilde. Filho obediente, pai cuidadoso, esposo amoroso, um avô presente marcado pelos gestos, pelo companheirismo com os colegas do trabalho e pelo carinho com o seu fiel escudeiro, Thor. Tudo procurava fazer com excelência e sem grandes pretensões, sem ficar se bajulando. “Ele essencialmente era o melhor”, diz a filha Juliana.
Descobriu que possuía daltonismo quando foi fazer uma prova da Aeronáutica, e amava pintar e desenhar com as cores de seu próprio mundo, usando tons monocromáticos. A filha, que também tem a característica, comenta com senso de humor sobre as tentativas de ambos em enxergar o mundo a partir de outra paleta de cores. “Ele malhava com um conjunto que era lilás, e eu e ele acreditávamos que era azul marinho. Ficava lá pulando de lilás... Depois de dois anos, quando descobriu que malhava de lilás, até desistiu do exercício. Se se sentiu 'trolado'", conta ela, rindo.
Aroldo foi o primeiro amor da vida de Marinete. Eles se conheceram em um ponto de ônibus, quando ele tinha 23 anos. Casaram-se em 1982 e nesses 38 anos de matrimônio ele se tornou o melhor esposo - e pai, com a chegada de Juliana - do mundo.
Aroldo era como o “Pavão Misterioso” da canção de Ednardo, “... Pássaro formoso, tudo é mistério, nesse teu voar [...]”. Era tímido, cuidadoso, misterioso, tratava bem as pessoas num silencioso modo de ser e todos tinham que deduzir o que acontecia com ele. Mas, se era comedido nas palavras, não o era nos gestos e nos abraços que distribuía.
Ele recebeu o apelido de Pavão Misterioso no Chá de Panela antes do casamento de Juliana com Raphael. Para ela, tudo nele era mistério: “Ele era muito na dele e a gente ficava tentando deduzir. No andar, no falar, as caras e bocas quando ele não estava se sentindo à vontade. Torcia a sobrancelha. Mexia assim a boca de lado e fazia umas caretas, para mostrar que não estava bem, que não estava gostando".
Aroldo tinha o costume de ir ao supermercado e agradar a família com lanches. Quando descobria alguma
novidade, comprava até o nível da exaustão para a família. Foi assim com o pão de queijo e com a tapioca, conta a filha. “Comemos até enjoar.”
Era ótimo anfitrião. Fazia um bom café, pizzas, pães e gostosos sanduíches. Preparava kits para a filha quando ela ia fazer concurso, com damasco, garrafinha d'água; cuidava de tudo para que não faltasse o lanchinho. Com a neta Valentina, brincava e dava sorvete antes do almoço.
Soube que seria avô novamente. Era o anúncio do Benício, um neto muito esperado por Seu Aroldo. O nome Benício foi escolhido em sua homenagem, relembra a filha: “Tudo ele falava: 'Está tudo bem, está tudo bem', e assim nós colocamos o nome de Benício”.
Um personagem que não pode deixar de ser lembrado na história de Aroldo é Thor, um cãozinho maltês que apareceu na história da família na gravidez da neta Valentina e que se tornou seu companheiro fiel. Juliana conta que teve desejo de ir ao shopping comer algo e lá enlouqueceu pelo filhotinho. Num impulso comprou o animal.
“Estava com os hormônios totalmente alterados. Quando cheguei - lembro bem disso - ele olhou, viu o cachorro na palma da mão de tão pequeno e aí ficou: 'O que que é isso? Não, não quero, não quero, eu não quero cachorro, não quero cachorro, por que que você está trazendo esse cachorro...' E aí acabou que foi o grande amigo dele.”
Aroldo e Thor parecem ter vivido encontro de almas. “Eles dormiam juntos. Quando saía, ele tinha um cuidado tão absurdo que a gente ficava zoando ele”, diz Juliana. Para a família, Thor era a bolsinha de tiracolo do Seu Aroldo. “Imagina um senhor com o cachorro debaixo do braço, um monte de pluma branca."
Seu trabalho estava ligado à engenharia de produção. Por último, estava como cronometrista, numa fábrica têxtil, desenhava os layouts de toda a fábrica a fim de organizar e diminuir o tempo de produção dos produtos e cronometrava o tempo das etapas de produção a fim de aumentar o rendimento.
Acordava cedo, 4h30 da manhã, pegava um ônibus, mesmo com o joelho prejudicado, passava o dia inteiro no chão da fábrica. Quando questionado sobre o dia de trabalho, quase não comentava.
Tinha um gosto musical incrível e muito eclético, que permeava a relação com todos em sua casa. As recordações são todas pautadas nas músicas. Organizava as playlists da família, gravava CDs com músicas selecionadas de forma a agradar a todos, tinha o CD para a esposa e o CD para a filha.
Gostava de Frank Sinatra, Nat King Cole, Queen, entre outros, mas tinha uma relação particular com os Beatles. Era um Beatlemaníaco, tinha LPs sagrados, como os da coleção “vermelho e azul”. Escutava Roberto Carlos com muito carinho para agradar o gosto da esposa.
Outra relação com a música era a paixão pelos videoclipes. Juntava-se à filha no sofá e assistia à seleção de clipes da MTV. Bon Jovi, Guns N’ Roses e U2 entraram para o gosto musical da família. Com o fim do sinal aberto da emissora musical veio um vazio, logo preenchido pelos vídeos na internet. Ficava sentado horas com o celular nas mãos vendo os clipes. Curtia também jogos de videogame e filmes de ficção científica e terror.
As cinzas de Aroldo foram jogadas na praia de Grumari, pois ele amava o mar. A esposa Marinete comentou que seu esposo partiu da maneira que gostaria: com poucas pessoas, mas com as pessoas com que realmente se importava com ele.
Aroldo nasceu em Duque de Caxias (RJ) e faleceu em Duque de Caxias (RJ), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha e pela esposa de Aroldo, Juliana Martins Fernandes e Marinete Baiense Martins Fernandes. Este tributo foi apurado por Daniel Ventura Damaceno, editado por Vera Dias, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2022.