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Athos Silva Miranda

1943 - 2020

Apesar das dificuldades, recebeu o maior salário de um artista: aplausos.

“Chumbrega” foi batizado quando a cortina se abriu: foi o primeiro nome que veio à cabeça de seu primo, o “Graveto”, quando o chamou ao picadeiro, substituindo o parceiro que se fora. Era o ano de 1960, em Ribeirão Preto (SP). Na falta de nome melhor, ficou Chumbrega mesmo. Neto e filho de artistas circenses – seu pai foi dono de dois circos sucessivos –, criou também os filhos e os netos nessa vida longeva que fez dele, até a morte, o mais velho palhaço atuando no Brasil.

A primeira vez que pisou o picadeiro, porém, foi aos seis anos, quando fazia solos de acrobacia. Mas também como ator em peças teatrais, que então eram o forte das atrações circenses. Depois de crescido, fez diversos papéis: “A gente fazia o galã, o bonitinho, o bandido, o juiz, o delegado, o escravo... Isso me deu muita cultura, porque cada um tem uma linguagem”, depõe num dos documentários sobre ele.

Pai de seis filhos, manteve-os sempre próximos. Tanto que, ao se separar da segunda esposa, eles preferiram ficar com o artista, conta Marlon, o palhaço “Panqueca”, num desses documentários. Tanto Marlon quanto sua irmã Paula, acrobata, sublinham a integridade do pai: “Ele tem um caráter sensacional”, diz ela.

Athos, porém, não idealiza a vida de artista: “Nós temos todos os problemas que um ser humano pode ter fora do espetáculo do circo”. No último documentário sobre ele, o palhaço relata as dificuldades financeiras pelas quais passou pela vida e sua vontade de ter um circo com o qual pudesse oferecer uma vida mais confortável para a família.

São melancólicas, a princípio, as imagens de Chumbrega, já septuagenário e reconhecido como monumento vivo da arte circense brasileira, vendendo, entre a plateia dos circos, marionetes de fantasmas confeccionados por ele para completar seus rendimentos. Mas Athos não esboça o menor arrependimento. O que revela sua honestidade e a alegria diante das escolhas que fez: “Quando você entra no picadeiro e vê o público rindo, aplaudindo, é o grande mérito do artista. O maior salário que o artista deve receber é o aplauso”.

Athos nasceu em Birigui (SP) e faleceu em Jundiaí (SP), aos 77 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga de Athos, Tabata Pastore Tesser. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Joaci Pereira Furtado, revisado por Joaci Pereira Furtado e moderado por Rayane Urani em 26 de outubro de 2020.