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Audálio Izaque de Macedo

1944 - 2021

Guardava as moedinhas de troco e, no final do ano, fazia a alegria dos netos dividindo tudo entre a criançada.

Audálio nasceu em Pernambuco, o mais velho de uma família com sete irmãos. Ainda adolescente, mudou-se com os pais para o Sul do país, em uma viagem muito difícil, em condições precárias, como não era incomum à época. No caminho, passaram por São Paulo, onde ficaram alguns dias na Pousada do Imigrante. De lá, foram para a cidade de Londrina, no Paraná, onde a família estabeleceu-se trabalhando na lavoura.

Já nessa época, Audálio se destacava por ser uma criança muito inteligente e esperta, que sempre se dava bem na escola. Porém, como ele mesmo gostava de dizer, foi bem traquinas. Aprontava de tudo e, em uma ocasião, estourou um rojão da forma errada, e ele atingiu seu rosto. Por sorte, o ferimento foi leve, mas a descamação da pele levou todas as suas sardas embora.

No Paraná, conheceu Vilma, que, junto com a irmã, dava aulas na escola da fazenda onde Audálio morava. Ele sempre contava que ia para a janela da escola ver as professoras. Jogava balas toffee para chamar a atenção delas. Vilma caiu nos encantos do jovem e logo passaram a namorar. O namoro virou casamento, ainda na cidade de Londrina, e logo o casal mudou-se para São Paulo. Mesmo tendo passado por diferentes cidades e Estados, Audálio nunca perdeu seu forte sotaque pernambucano.

Do casamento com Vilma nasceram três filhos: Elisângela, Mariângela e Edson, batizado em homenagem ao rei Pelé, já que Audálio era santista. Mariângela comemora que as sardas, levadas pelo incidente do rojão, foram herdadas por ela.

Audálio teve cinco netos, por quem tinha um amor e carinho enormes. Seu jeito atencioso e brincalhão acabou rendendo alguns netos postiços, pois todas as crianças da família se tornaram seus netos também. Da mesma forma, algumas amigas das filhas chamavam Audálio de pai também e ele, brincalhão, respondia como se fosse.

Mesmo morando em São Paulo, viajava a Londrina sempre que podia, acompanhado da esposa. Eram inseparáveis. Na cidade paranaense vivia seu concunhado, um de seus melhores amigos. Juntos, iam a um sítio cuidar da terra e da lida. Audálio também gostava de descansar em sua pousada preferida em Caldas Novas.

Nunca mediu esforços e movia mundos e fundos para proporcionar aos filhos, aos netos e à esposa tudo que precisassem, por mais difícil que fosse. Não se importava de retornar várias vezes ao mercado para comprar itens que Vilma tivesse esquecido. Uma vez a filha teve vontade de comer churros, ao assistir a um programa do Chaves, que sempre citava a guloseima. Audálio percorreu todo o bairro até encontrar um carrinho e satisfazer a vontade da filha. Até mesmo para os amigos e conhecidos estava sempre pronto a ajudar, com sua disposição, boa vontade e sua caixa de ferramentas. A caixa, por sinal, era uma marca registrada de Audálio e ficou na memória de todos. Sempre que a filha Mariângela tenta utilizar uma ferramenta que passou tantos anos vendo o pai manusear, pensa que ele deve estar orgulhoso dela por ter conseguido furar uma parede sem acertar nenhum cano. Ou mesmo observando zangado quando ela não consegue encaixar a broca do jeito correto.

Metalúrgico de profissão, trabalhou em poucas empresas e sempre por um bom tempo, já que era um funcionário dedicado. Mesmo sem ter completado o Ensino Fundamental, tinha uma memória, um raciocínio e uma perspicácia especiais. Por observação, aprendia a fazer o que fosse preciso. Sabia de cor todos os elementos da Tabela Periódica. Era chamado pela família de “Professor Pardal”, tamanha sua habilidade de aprender e executar tudo aquilo que se propunha a fazer.

Para dar mais conforto a família, construiu um novo andar sobre a casa em que moravam e revestiu tudo com tijolinhos. Além disso, confeccionou uma grande mesa, para que coubesse toda a família nos tradicionais almoços. Todos ficaram admirados com os detalhes dos pés da mesa feitos por ele, pois pareciam comprados em loja, tamanho o capricho. Tinha também um senso de direção tão apurado que era chamado de “Google Maps” pelos filhos. Sabia descrever cada trajeto com riqueza de detalhes.

Gostava de assistir a receitas em vídeos na internet e reproduzi-las, para deleite de todos. Quando se interessava por uma receita, virava para a família e dizia “Vamos fazer?”. E lá ia Audálio ao mercado comprar os ingredientes para testar os preparos. Gostava muito de fazer doces. Intuitivamente, foi criando técnicas e processos que, mais tarde, a filha confeiteira confirmava que eram corretos. Perfeccionista, gostava que toda sua produção de pães de mel fosse padronizada. Com seus conhecimentos de metalúrgico, desenvolveu ferramentas, formas e moldes que não existiam no mercado. Seu grande desejo era causar inveja nas famosas lojas que vendem chocolates pelo país.

Era um grande contador de causos. Com sua memória apurada, contava as histórias de sua vida. Por vezes, a família tinha que ouvir mais de uma vez o mesmo “causo”, já que Audálio gostava muito de conversar e sempre puxava papo com alguém, conhecidos e estranhos, velhos amigos ou mesmo pessoas que ele encontrava numa loja ou na fila do supermercado.

Também tinha o hábito de ouvir suas músicas preferidas no rádio, que mais tarde foi trocado pelo smartphone, quando descobriu sua praticidade. Uma de suas preferidas era “Quão Grande És Tu”, em uma versão instrumental de um grupo boliviano. Na televisão, gostava de assistir novelas, jogos de futebol e programas que contassem histórias de emagrecimento ou sobre apreensões de drogas em aeroportos. Não tinha muita paciência para filmes e programas mais longos, exceto os do Mazzaropi, que assistia com gosto. Seu senso de humor apurado, com tiradas rápidas, podia ser comparado ao do famoso ator. Nem mesmo os velórios escapavam de seu jeito alegre. Mesmo sentindo a perda da pessoa que partiu, conseguia deixar o ambiente mais leve, com suas conversas, suas histórias e comentários sobre as situações.

Audálio manteve aceso seu espírito de criança. Espalhava alegria por onde passava e deixou essa marca em todos os que o conheceram.

Audálio nasceu em Garanhuns (PE) e faleceu em São Paulo (SP), aos 76 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Audálio, Mariângela de Macedo Feitoza. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira e Ana Helena Alves Franco, editado por Marília Ohlson, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 2 de abril de 2022.