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Augusto Vaz Ferreira

1938 - 2020

Construiu uma pousada para os romeiros que chegavam à cidade de Bom Jesus da Lapa.

Augusto nasceu e viveu à beira do Rio São Francisco, em Bom Jesus da Lapa. A fé e religiosidade que movem o local formaram a base de sua existência.

Casado com Eleonor, teve sete filhas, e brincava que a casa deles era “a casa das sete mulheres”. Também teve treze netos e treze bisnetos.

No Santuário, construído em uma das grutas, participava do grupo de terço dos homens e em muitos momentos foi o coordenador das orações em devoção a Nossa Senhora da Soledade. Foi nesse coletivo que fez grandes amigos de fé, com quem compartilhava seus sonhos e desafios.

Estava sempre disposto a ajudar quem precisasse. Foi assim com o neto, também batizado de Augusto, que nos desafios da vida contou com o amparo do avô. Esperançoso, sempre acreditava que o neto, que era praticamente um filho, iria honrar o seu nome.

Da chegada das romarias na cidade nasceu o sonho de ter sua própria pousada. Desde muito novo ele convivia com o vaivém das caravanas de fiéis que chegavam em seus ônibus e caminhões para rezar na gruta do Morro da Lapa transformada em santuário.

Com esse objetivo e com a intenção de também ajudar as sete filhas, sempre jogava na loteria. Acreditava que um dia ganharia um prêmio suficiente para realizar seu sonho. Até ganhou, mas os prêmios não foram tão significativos a esse ponto. Somente já bem no final da vida e com muito sacrifício conseguiu construir sua hospedaria familiar, da qual se orgulhava. A filha Aulenir conta que na visita que fez ao local após seu falecimento foi entrando em todos os quartos, buscando sentir toda a energia que ele investira naquele lugar.

Na cozinha ele tinha uma mania: chegava, abria a porta da geladeira e ficava olhando o que havia para poder escolher o que comer. Algumas vezes Aulenir pedia ao pai que fechasse a porta. Bem-humorado, ele olhava para a filha e dizia: “Oxe, você está estressada, Chinha, não fica assim não porque eu te amo”.

Augusto era diabético, porém não abria mão de tomar sua cerveja antes do almoço e de comer rapadura de sobremesa. Aulenir conta que o pai gostava muito do feijão com linguiça e outros temperos que ela preparava. Se não tivesse pimenta na mesa ele logo perguntava. Apreciava os bolos que comia tomando seu café.

Nas viagens a Salvador para visitar parentes, Augusto se incomodava com o fato de o leite vir em caixinhas. Habituado a tomar leite tirado nos currais de Bom Jesus da Lapa, comentava que leite bom era o de sua terra natal.

Certa vez, a filha preparou uma lasanha para o pai, que comeu e gostou. Enquanto comia, no entanto, ele perguntou: “Oxe, não tem arroz não?”. Com paciência Aulenir explicou que lasanha não era servida com arroz,

Todas as manhãs Aulenir liga para a casa dos pais para pedir bênção. Falando com muito afeto do pai, diz que que sente muita saudade de ouvir a voz dele. Até das brigas ela tem recordações afetuosas.

Nas andanças pela cidade de Bom Jesus, Augusto sempre usava o seu “chapéu de romeiro”. Tinha um marrom e outro azul. Na última visita à casa de Aulenir, no momento da saída para a rodoviária, o cão Brad pegou o chapéu dele e se escondeu de baixo da cama. Emocionada, Aulenir reflete que parecia que o bichinho sabia que ele não voltaria mais.

Atualmente o chapéu azul, um presente da filha Aulemar, é guardado com todo carinho por ela. Já o marrom foi colocado pela esposa Leonor na recepção da pousada familiar.

Augusto segue vivo nas memórias de seu espírito forte e positivo; no exemplo de carinho, honestidade, humildade e alegria; no vaivém de romeiros que se hospedam na pousada da família e no seu perfume, sentido nos chapéus que remetem aos abraços e aos momentos em que ele dizia às filhas: “Eu te amo”.

Augusto nasceu em Bom Jesus da Lapa (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Augusto, Aulenir Novais Ferreira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 5 de janeiro de 2022.