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Beatriz Medina Barbosa

1947 - 2021

Colecionadora de amizades longevas, gostava de cozinhar para as pessoas queridas nas tardes de sábado.

Estudiosa, Beatriz também amava esportes. Jogou vôlei na equipe do Botafogo até os 21 anos, gostava de ir à praia e era fã de livros de ficção científica. Carioca da gema, torcia pela camisa da Estrela Solitária, tinha dezenas de amigos e acolheu, em casa, vários filhos do coração.

Beatriz perdeu o pai, Paulo, ainda na infância, aos seis anos. Ao lado da mãe e de mais cinco irmãos, passaram por dificuldades financeiras, porém, nunca perderam o bom humor. "Quebraram cama, jogaram tinta um no outro e estudaram com muito afinco", conta Simone, que completa: "Minha vó Jacy fez todos os filhos se dedicarem aos estudos, fizeram faculdade e melhoraram de vida".

A família era muito unida. Jacy se casou novamente, com Carlos, que foi acolhido com amor por todos. "Minha mãe era muito apegada à vovó Jacy, aos irmãos, ao padrasto e ao sobrinho. Por muitos anos íamos almoçar juntos todos os domingos, na casa dos meus avós", relembra.

Extrovertida e brincalhona, Beatriz gostava de falar besteiras para descontrair a convivência. "Parecia uma criança de tanta coisa boba que dizia", ri Simone. Considerada uma espécie de mentora para diversos profissionais da área de Publicidade, "ela deu emprego para muita gente e foi a primeira chefe de muitos, pois ocupou, por quase vinte anos, o cargo de Diretora de Mídia em grandes agências do Rio e de São Paulo", pontua Simone. "Várias pessoas vieram me dizer que 'deviam tudo o que sabem' à minha mãe. Onde quer que fosse todos a conheciam e a elogiavam".

Beatriz formou-se em Belas Artes e Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Iniciou a carreira como pesquisadora do instituto Ibope e foi galgando os degraus do sucesso aos poucos. "Repetia que sua competência era fruto das lições que recebeu do Sr. Perigot, um dos fundadores da empresa. Mas, na verdade, ela gostava do que fazia e seguia em frente", afirma Simone.

Depois, vieram as agências de publicidade: MPM, Olgvy, Standard, DPZ, McCann Erickson, Giovanni FCB e JWT, onde Beatriz trabalhava com pesquisa e planejamento de mídia. "Mamãe atendia a clientes de peso, como Coca-Cola, Tim e Shell", recorda a filha.

Além disso, atuou como professora de graduação da Universidade Facha, uma das mais reconhecidas na área de Publicidade e Marketing da cidade maravilhosa. E até a aposentadoria definitiva, em 2016, seguia como consultora, compartilhando sua vasta experiência no setor.

Numa dessas reuniões de trabalho, Beatriz conheceu o grande amor de sua vida e o pai de sua única filha: Leon Wolfgang. "Meu pai era francês e, aos 15 anos, fugiu da Segunda Guerra Mundial para o Brasil. Meu avô morreu metralhado por ser um judeu da resistência francesa. Então, meu pai e meu tio Robert vieram para o Rio. Meu pai trabalhava na Enciclopédia Britânica e conheceu mamãe durante um encontro de negócios. Ficaram juntos por quatorze anos e então se separaram.", explica Simone.

Com a separação dos pais, Simone viveu apenas com a mãe, dos 7 aos 29 anos. "Éramos muito companheiras e amigas. Mesmo aos 43 eu falava com mamãe todos os dias". Simone revela que, mesmo após o seu casamento, ainda dormia na casa da mãe pelo menos uma vez por semana. "Claro que tínhamos brigas, como toda mãe e filha têm, mas éramos muito próximas", lamenta.

Ao longo de sua agitada vida, Beatriz colecionou amizades longevas. Havia o grupo do vôlei no Botafogo, os colegas e os amigos da filha — muitos deles adotados por essa mãezona, como se filhos fossem. "Minha mãe virou segunda e, em alguns casos, até a primeira mãe de amigos meus. Todo mundo dormia lá em casa; ela cozinhava para todos nós e várias vezes viajamos com ela. Muitos amigos foram confidentes dela.", enfatiza Simone.

Como essa personalidade acolhedora, não era de se estranhar que as festas de aniversário de Beatriz estivessem sempre cheias. "Minha mãe tinha dezenas de amigos, muita gente mesmo. Ela gostava de cozinhar e cozinhava bem! Preparava o melhor arroz que eu já comi, além de oferecer altos almoços na própria casa: churrascos, peixadas, feijoadas, frutos do mar, bobó. Tenho um amigo que mora em Londres e ama feijoada. Mamãe fazia para ele quando ele vinha ao Rio. Ela dizia que a comida era a sua terapia. Costumava passar as tardes de sábado cozinhando para alguém, mesmo que fosse para a nossa cachorrinha Fiona".

De acordo com a filha, Beatriz era dona de um "coração gigante": "Amparava bichos abandonados, arrumava emprego, acolhia filho de amigos lá em casa. Nunca negou um prato de comida, fazia doações, dava palestras em escolas públicas, virou noites ajudando colegas que tinham dificuldade no trabalho, era doadora habitual de sangue e, se fosse compatível, teria doado um rim para a melhor amiga. Mamãe odiava injustiças".

Outra paixão de Beatriz era viajar. "Em 2012, realizei o sonho dela de conhecer a Capela Sistina, no Vaticano, e de ir a Paris. A viagem de vinte e um dias entre Itália e França foi o presente que dei para ela em seu aniversário de 65 anos".

Beatriz realmente sabia se divertir. Saía com os amigos e com a família para passear, também os recebia para um belo almoço, que se estendia pela tarde inteira, e não perdia as aulas de hidroginástica. "Até hoje o grupo de 'zap' das amigas da hidro mantém contato comigo", detalha Simone.

A filha compartilha uma história da infância que lhe é muito especial: "Quando eu era pequena, minha mãe morava em São Paulo e eu ficava aqui no Rio, com os meus avós. Ela vinha aos finais de semana, de avião e, naquele tempo, a gente podia entrar na pista. Ela sempre se ajoelhava ao lado do avião e eu saía correndo para abraçá-la. Ela me levantava e me girava no ar. Acho que é a lembrança mais gostosa que tenho dela, sempre num sábado de manhã de sol. Eu sentia muito amor e felicidade por estar com ela naquele momento".

Simone também agradece à mãe por lhe ensinar o valor do conhecimento: "Estudar era primordial para minha mãe. Ela dizia que o que você tem na cabeça, ninguém pode tirar de você. Eu tenho pós-doutorado, duas faculdades e pretendo entrar na terceira", revela.

"Poderia passar um mês ou talvez um ano escrevendo sobre minha mãe, mas gostaria de terminar nomeando alguns amigos que ela amava como irmãos: Célia Fiasco, Regina Bezerra, Miriam Suhet Lannes, Thereza, Sônia Fonseca; e tantos outras e outros que eu não pude conhecer. E, claro, os filhos adotivos dela, meus amigos, Gilmar Júnior, Raquel Portugal e João Francisco de Lemos."

Beatriz nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Beatriz, Simone Marie Berthe Medina Wolfgang. Este tributo foi apurado por Rafaella Moura Teixeira, editado por Luciana Assunção, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 23 de março de 2022.