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Benedito Jorge Borges

1955 - 2020

De alma jovial, estava sempre atualizando seu vocabulário para fazer parte do mundo dos netos.

Inventor de histórias e dos apelidos dados a cada membro da família, Jorjão, como era conhecido, era um brincalhão nato. Netos, filhos e sobrinhos viravam em suas histórias os personagens ‘bicho pandeiro’ e ‘bicho tutu’, fábulas que ele mesmo inventava e sempre divertia a família toda vez que as contava.

Seu interesse em estar caminhando junto à nova geração o fazia estar sempre se atualizando com as novidades do universo dos netos. Para conversar com o neto Miguel, por exemplo, ele pesquisava a respeito dos jogos preferidos dele e, com isso, o apelidou de ‘Steve’ em referência à série de videogame Minecraft. Mas receber um apelido personalizado não foi privilégio só de Miguel: para Jorjão, Lara, também sua neta, era ‘grande’ ou ‘nenê do avô’; Karoll, a filha, era ‘guilis’; Jorge, o filho, era chamado pelo pai de ‘abuzinho’; e a também filha, Luciana, recebeu o apelido de Bilu.

A esposa com quem dividiu diversos momentos ao longo de seus 40 anos de união, chamada Osmilda, também tem seu jeito especial de ser chamada: Duda - que, dessa vez, não foi invenção de Jorjão.

Para além do jeito festivo que tratava a família, Jorjão também era do tipo que gostava de deixar seu carinho transparente, sempre deixando elogios. Era um clássico dele ligar para as filhas e sobrinhas perguntando: “Quem está falando é a linda das lindas?”

Cristina recorda os conselhos recebidos de seu querido irmão, que tantas vezes fez questão de usar seu tempo para desabafar e acolher a irmã. Jorjão dizia: “Gosto muito de conversar com você, saio daqui aliviado e otimista.”

Foi também um tio incentivador que vibrava a cada conquista dos sobrinhos. Beto, Marcos e Ana Paula guardam muitos conselhos e dicas das inúmeras conversas construtivas que Jorjão tinha com eles. Paula lembra, com carinho: “Ele me mandava todos os fins de semana: “Bom dia, Paula, cadê sua mãe? Já manda pra mim a foto da feijoada!” E dizia, também: “Paula, tenho muito orgulho de você e a criação de seus filhos me deixa feliz.”

A primeira sobrinha neta de Jorjão - como ele gostava de chamá-la -, Brenda Borges, relembra algumas falas que sempre saia de seu divertido tio:
— “Vai tomar banho sem roupa?”;
—“Toma R$ 5,00. Vai ao mercado, compre um refrigerante, pague a condução e me traz o troco”;

“Esperava minha avó ou minha tia não estarem por perto para me pedir para comprar linguiça calabresa, e ele comia todinha antes delas voltarem. Ou então, me falava para entrar no carro e íamos em alguma padaria mais próxima para comer escondido e voltar como se nada tivesse acontecido. Sempre comíamos pão com MUITA mortadela dentro (isso não era escondido).”

Outra marca de Jorjão era sua mania de bater os pés no chão e balançá-los, o que acontecia se estivesse nervoso, bravo ou ansioso.

Foi daqueles que enxergava em toda ocasião, uma oportunidade para despertar sua criança interior, como complementa a sobrinha neta: “Meu tio se tornava uma criança quando se juntava com todos os sobrinhos. Ele nos ensinou a mostrar a língua e o dedo, tirar meleca do nariz e passar nos outros e, claro, tudo escondido da minha avó. Mas ele também nos ensinou a sermos direitos e sempre dava bronca. Ensinava várias cantigas, mas a que eu mais gostava era a do ‘jacaré passeando na lagoa’. Quando se trata do meu tio, eu poderia passar o dia inteiro falando dele”.

A sobrinha Ana Paula também confessa o jeito moleque de ser do tio, quando ele os aconselhava: “Pode mostrar a língua, o tio deixa e é bonito.” Jorjão era tão gozador que pedia para os próprios sobrinhos pegarem o chinelo para apanhar. Lembrar do jeito cômico dele é encontrar motivos para rir em meio a sensação vazia de não tê-lo mais.

Não deixou seus familiares desabastecidos de boas e engraçadas lembranças, mesmo que sua ausência não permita mais viver novos momentos. Exemplo disso é a vez em que foi com o neto a um pesque e pague e, no fim, comeram todas as salsichas que serviriam de isca. Ele amava contar episódios como esse, suas novidades um tanto inusitadas.

Era próprio dele essa versatilidade, sabia como levar uma conversa tanto com quem tinha mais estudo quanto com menos escolarizados; com crianças e adultos. Indiferente do ambiente e da pessoa, se saía bem com seu jeito extrovertido de ser.

A despedida de Benedito Jorge, o Jorjão, é para a filha Luciana a perda de um pai, amigo e o maior incentivador que ela já teve. “Sempre acreditava em tudo que eu fazia, me achava inteligente e dona de um coração enorme”, conta a filha. Ele tinha costume de telefonar para ela no meio da tarde para pedir conselhos; todo esse grude agora é compreendido por Luciana como o excesso de amor que transbordava dele, e precisava ser praticado.

“A sua partida, apesar de muito dolorida, me tornou uma pessoa muito melhor. Te amo, papito, como eu nem imaginava que te amava! Sou muito grata por ter tido o privilégio de ter sido sua filha. Agora eu sou a responsável por repassar as coisas que aprendi com você para seu neto - o lindo dos lindos”, reconhece Luciana.

Tal como a paisagem de um fim de tarde algumas semanas antes da passagem de Jorjão - lembrança nítida na memória da filha - a recordação dele descansa de forma admirável como o pôr-do-sol que encheu os olhos de Luciana, aquele que foi o prenúncio da partida de seu pai. “Era um dos mais bonitos que já vi!”, rememora a filha.

Benedito nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 64 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pelas sobrinhas de Benedito, Luciana Borges, Brenda Borges e Ana Paula. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Júllia Cássia, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Rayane Urani em 22 de maio de 2021.