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Berenice Izilda da Silva Lourenço

1952 - 2020

As esfirras e pastéis que preparava, davam sabor às rodas familiares para colocar a conversa da semana em dia.

Uma mulher forte que foi o esteio da casa e, no cuidado diário com todos, foi ensinando e aprendendo valores que teceram sua vida com afeto. Berenice - carinhosamente chamada de "Berê" pelo esposo Joaquim, e de "gordinha” pelo filho mais velho Írio - passava os dias nos cuidados com a casa e a família. Mantinha tudo sempre em ordem, cozinhava com muito prazer e acolhia com zelo as demandas de quem precisasse dela. Uma pessoa que se diz orgulhosa é filha Marília, que compara a mãe como um cristal: "uma pedra bem delicada, brilhante e bonita de se ver”.

Do amor entre Joaquim e Berê, além de Írio, foram gerados Marília e o filho mais novo batizado com o nome do pai. Marília faz questão de salientar que, além de mãe dos três filhos, ela também tinha um zelo materno para com Joaquim com quem conviveu por quarenta anos. Uma de suas alegrias era atender pedidos do esposo: passar aquele cafezinho preto e oferecer a ele enquanto lia um livro era um de seus hábitos; e não se pode esquecer de dizer sobre os “torresminhos da Berê” que ele saboreava com muito prazer!

Do olhar amoroso do esposo, cotidianamente brotavam elogios para sua querida Berenice. Ele não cansava de dizer aos filhos: “Olha só como sua mãe está linda!”. E diretamente a ela fazia questão de falar: “Como você está bonita!”. Entre as brincadeiras do casal, o hábito de provocar um ao outro sempre acontecia. Nos momentos em que ela se sentava no seu canto e ia jogar seus amados joguinhos de celular, Joaquim não perdia a oportunidade de tentar puxar uma conversa para desconcentrá-la. Às vezes Berê cochilava durante o jogo e Joaquim sapecava: “Vai dormir, linda!”. Ela despertava e devolvia que não queria dormir e ele dando um tom de irritação replicava: “Então não vá!”. Outro momento recorrente na rotina dos dois eram os filmes à noite antes de pegarem no sono.

Tempos depois, a família e principalmente Berenice se alegraram com a chegada do neto Raul - que quando nasceu ficava na casa dos avós para que a mãe pudesse trabalhar. Assim, ele acabou tornando-se praticamente um quarto filho. Nos cuidados, brincadeiras e nos momentos em que adoecia, o neto foi sendo carinhosamente cuidado e transformou-se em um amigo. Raul foi crescendo e passou a acompanhar a avó nas idas ao mercado e ao médico, por exemplo. Nos finais de tarde, era comum ver os dois “agarradinhos passeando pelo centro da cidade”, conta Marília. No aniversário de 18 anos de Raul e na celebração do noivado do filho Joaquim, Berê esteve radiante de alegria e como alguém que abençoa, desejou aos dois felicidades e um bom caminho na vida.

O final de semana era o tempo de encontros de família para saborear as gostosuras cozinhadas por Berenice. Praticamente todo domingo ela preparava algo bem saboroso para servir. Eram momentos de muita alegria e felicidade para ela que, entre outras guloseimas, fazia deliciosas esfirras e pastéis muito apreciados por todos durante a conversa para colocar a semana em dia.

Mulher de coração bondoso, dedicava parte de seu tempo ao trabalho voluntário no Lar de Assistência do Menor – LAM de São Vicente (SP). Na entidade que acolhe crianças abandonadas, ela era uma das responsáveis pelo “Bazar da Pechincha” que vende roupas, objetos antigos, brinquedos e livros doados pela população local. Organizada tinha uma caixa onde guardava o valor arrecadado com as vendas e uma vez por mês repassava o montante aos responsáveis pelo LAM.
Esse fato acabou por gerar um acontecimento muito emocionante após o falecimento de Berenice. Os familiares encontraram a caixinha e algum dinheiro que ela não teve tempo de repassar. Seguindo os ensinamentos de correção e honestidade de Berê, a família fez o acerto por ela. Uns dias depois, foram surpreendidos com uma homenagem prestada a ela pelas crianças acolhidas no Lar de Assistência. E a casa se encheu de desenhos que, em seus traços infantis, traziam também a gratidão da criançada pelos anos de dedicação dela à entidade.

A filha Marília não se cansa de falar da mãe e a descreve como uma mãe perfeita: "se alguém é próximo do que Deus ensina, essa pessoa foi minha mãe”, diz, com afeto. Nos inevitáveis momentos de dificuldade, Marília tinha na mãe uma amiga e confidente que lhe transmitia segurança. Na hora da diversão, Berenice também estava lá, presente em passeios aos centros comerciais, cinemas e praias de São Vicente - litoral de São Paulo. Com seu sorriso habitual, ela e a filha sentavam-se nas mesas de lanchonetes para “comer besteirinhas” - nome dado por elas aos salgados e doces, dos lanches durante as caminhadas que as duas faziam nos momentos de lazer. O convívio com os gatos da casa eram outra diversão de Berenice. Eram vários animaizinhos, mas seu predileto foi o Bambam, um bichano de pelagem preta e olhos reluzentes. Entre os miados de cada um, ela dedicava a eles muitos mimos e afagos.

Berê segue viva; na atitude de deixar o trabalho para cuidar do pai de Írio - que a exemplo da mãe, coloca nele todo cuidado e carinho; na lembrança do toque leve e carinhoso de sua mão no ombro de quem precisasse; no amadurecimento de todos da família após sua passagem; e na paisagem cheia de horizonte das praias da Biquinha e Itararé.

Berenice nasceu em Cananéia (SP) e faleceu em São Vicente (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Berenice, Marilia Aparecida da Silva Lourenço. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Luana da Silva e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2022.