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Cairo José Ferreira Gama

1978 - 2020

Sob seu chapéu viviam as almas e as mentes dos jovens de Manaus.

Se alguém quisesse reconhecer Cairo pelas ruas de Manaus, bastava que se procurasse pela coleção de chapéus mais famosa da cidade; desfilada sem pretensões e por natureza.

Foi ainda jovem que o amazonense ingressou em um seminário para a formação presbiteral e, em 2012, tornou-se padre. No exercício de sua função, desempenhada não somente na Paróquia de Santa Teresinha de Manaus, mas por onde quer que fosse, sempre trabalhou com a juventude e com as famílias. Com carisma e sorriso sempre presentes, não escondia de ninguém que ele gostava mesmo era de gente. Talvez isso justifique também a sua formação em Psicologia, através da qual ajudou a tantos.

Foi falando de esperança e do amor de Deus por meio das mídias sociais da paróquia que o padre passou seus últimos dias. Era semana da Páscoa e ele acreditava que aproximar os corações dos fiéis em meio a uma pandemia, ainda que virtualmente, era uma forma de se colocar a serviço sua missão de resgatar a fé. Não só a cumpriu como a eternizou nas lives e nos corações. Sua alegria jamais será esquecida pelos fiéis e pela torcida do Flamengo. E as ruas de Manaus... bom, essas tiram o chapéu. O inesquecível chapéu.

Da amiga, Flávia de Lima Dantas

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Parintins tinha tudo para ser mais uma cidade anônima, perdida numa ilha do Rio Amazonas, com seus pouco mais de cem mil habitantes.
Mas quis o destino, ou a tradição, ou o coração de sua população, que Parintins alcançasse fama mundial com a festa do boi-bumbá, no começo de junho, quando as duas agremiações - Garantido e Caprichoso - disputam a batalha folclórica.

Parintins, a cidade anônima, que uma vez por ano sedia a batalha dos opostos. Da cor e da música. Do pagão e do sagrado.

Não deve ter sido coincidência que justo nesse cenário de harmonia de extremos, em 27 de outubro de 1978, nasceu Cairo José Ferreira Gama. Porque Cairo eram opostos.

Pouco se sabe de sua juventude, mas com 34 anos, em 2012, virou o Padre Cairo, que é como seria conhecido para sempre.

Tornar-se padre justo no ano que Vágner Love meteu 22 gols pelo Flamengo, não deve ter sido obra do acaso. Porque Padre Cairo tinha essa paixão, depois de Deus, claro, fazer o que?
 O rubro-negro carioca era o lado mundano de uma alma dedicada ao divino.

Um padre que era também psicólogo, já se viu isso? Um homem que escutava a alma e a mente dos jovens de Parintins.

Para cuidar das almas, vestia a batina. Para cuidar das mentes, colecionava chapéus, sua marca registrada quando passeava pela cidade.

Carismático, de Parintins, Padre Cairo foi ser pároco na Paróquia de Santa Terezinha, em Manaus. Quando a pandemia atingiu em cheio sua cidade, Padre Cairo não se ausentou.

Em lives, levava sua gargalhada, seu amor, sua dedicação e a palavra de Deus para um povo sofrido, ceifado de alegria e de sonhos pela falta de recursos.

No momento mais triste de suas histórias, o povo de Manaus encontrava no Padre Cairo uma palavra de esperança.

Mais uma vez, Padre Cairo harmonizou os opostos.

Sua vida ficará, para sempre, presente em quem o conheceu.

Cairo nasceu Parintins (AM) e faleceu Manaus (AM), aos 41 anos, vítima do novo coronavírus.

Jornalista desta história Mentor Neto, em 21 de maio de 2020.