1935 - 2020
Era o rei da piada singela, cuja falta de graça, era exatamente o que provocava o riso de todos.
Carlos foi o segundo marido de Therezinha, que era uma moça desquitada e vivia com seus quatro filhos: Teresa Cristina, Carlos Eduardo e os gêmeos Luís Fernando e Ricardo Luís. Ele tornou-se então, um verdeiro pai do coração para os garotos e para a menina, os quais ajudou a educar, com seu jeito alegre de ser.
Era muito brincalhão, mas, se fosse necessário, sabia muito bem ficar sério e "passar um pito", sempre de forma amorosa e respeitosa.
Quando Carlos foi viver com Therezinha, a cunhada Maria Célia — irmã caçula de Therezinha, era ainda uma jovem adolescente. Ela conta que: "Carlos foi muito mais do que apenas um cunhado, foi um amigo especial, um irmão mais velho e um 'paizão'!"
Aos domingos, Maria Célia amava ir almoçar na casa do casal, não apenas por causa da comidinha caprichada feita por Denise, a ajudante que, desde os 16 anos, partilhou a vida com Carlos e Therezinha; mas, sobretudo, porque dividia com o cunhado a paixão pelas corridas de Fórmula 1 e o gosto pelos jogos de cartas, especialmente o buraco.
Já com idade avançada, Therezinha foi acometida pela Síndrome de Parkinson, passando então a necessitar de cuidados especiais. O marido amoroso fez questão de cuidar, pessoalmente, da esposa, resistindo até onde foi possível para admitir que necessitava da ajuda de uma cuidadora.
Carlos ficou viúvo em 2013. Toda a família sentiu naquele momento a responsabilidade afetiva de olhar pelo homem que havia perdido sua amada, sua companheira de vida. Os telefonemas eram constantes, bem como os almoços organizados e as saídas aos finais de semana, preferencialmente, até o Shopping Leblon, para dar uma volta, almoçar e colocar o papo em dia.
Carlos era aposentado. Foi comerciante industrial de peças de automóveis. Sempre, durante toda a sua vida, gostou de cuidar de sua casa, mantendo tudo limpo e organizado. Apreciava trocar os móveis, comprar novas cortinas e objetos de decoração. Era um homem muito caprichoso, que gostava de viver bem e confortavelmente.
Era também um apreciador de bons papos. Fez muitos amigos no banco onde tinha conta. Formaram até um grupo, em um aplicativo de mensagens, por meio do qual marcavam almoços mensais, sempre na casa de Carlos. Nessas ocasiões, Denise caprichava ainda mais no cardápio e no tempero.
Denise era muito mais que uma funcionária, era um anjo da guarda de Carlos. Inclusive, contou à família sobre a sua promessa feita à Therezinha — cuidar de seu amado parceiro até seu último dia na Terra. Denise cumpriu sua promessa — foi a mais dedicada e fiel amiga, até o final.
Certa vez, Carlos adquiriu um sítio. O refúgio de paz e tranquilidade foi, na verdade, um presente para Therezinha. Eles adoravam o lugar e iam para lá, a cada oportunidade, a fim de aproveitar aquele cantinho junto da natureza e desfrutar da companhia um do outro; rodeados pelos passarinhos e pelas flores. O sítio foi vendido pouco tempo depois de Therezinha partir.
Carlos era um apreciador da boa mesa. Apesar disso, fazia dieta e passou a caminhar todos os dias pelo condomínio onde morava. Sua preocupação com o peso chegava a ultrapassar os cuidados pessoais, ele pôs-se a reparar se as cunhadas estavam comendo "alguma porcaria" e, quando as surpreendia fazendo algum excesso calórico dizia: "Olha lá, hein, meninas! Vão ficar gordinhas comendo desse jeito!". Gostava de um chopezinho e de um cálice de vinho, mas parou com tudo isso por causa da preocupação com a silhueta.
No aniversário de Célia, em 2019, no almoço comemorativo, havia muitas entradas, petiscos e antepastos. Carlos não comeu nada e começou a apressar a anfitriã para servir o almoço. “Carlos está com fome!”, diziam as outras cunhadas. Com muito custo, aceitou uma torradinha com berinjela. E então sentenciou: "Estou esperando o almoço. Não gosto de comer besteira!"
Quando completou um mês de sua partida, Célia organizou uma videochamada com a participação da família. O objetivo era compartilhar as saudades, fixando o coração nas lembranças felizes, pois Carlos sempre dizia: "Não quero ninguém chorando no meu caixão, viu?". Célia conta ainda que, dadas as circunstâncias do isolamento social, foi uma reunião feita remotamente, mas que teve o efeito de muitos abraços dados de forma presencial. "Rimos, choramos, lembramos passagens memoráveis junto de Carlos e Therezinha! Foi lindo!"
A cerimônia virtual durou mais de três horas, e a abertura da reunião solene se deu com a leitura do poema "A morte não é nada", de Santo Agostinho:
"Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador."
Assim será lembrado Carlos, um homem essencialmente bom, cujo coração generoso, deixou em cada um dos amigos e familiares, uma lição de otimismo, de alegria e uma presença afetiva.
Carlos nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela cunhada de Carlos, Maria Célia Ramalho de Oliveira. Este tributo foi apurado por Viviane França, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 25 de junho de 2020.