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Célia Maria Ferreira Vicente

1961 - 2021

Passeava feliz pela beira-rio com o neto, colhendo amoras, pitangas e mangas no caminho.

Célia viveu por mais de quarenta anos ao lado de Ismael, seu companheiro de todas as horas. Foi Cida, uma de suas irmãs, que apresentou os dois, já que trabalhou por alguns anos junto com Ismael na loja Arapuã. O casal se encontrou em um campeonato de futebol, e o primeiro abraço marcou o início de suas histórias: "Meu pai fez o gol do desempate e foi abraçar todo mundo que estava na torcida. Diz ele que foi dela o abraço mais forte. Uma vida juntos”, conta a filha Pauline.

Um dos momentos alegres de Célia e Ismael eram as pescarias: amavam pescar juntos. Em uma ocasião, os dois passaram mais de quinze dias no rancho de um amigo, aproveitando a companhia um do outro e se divertindo com as pescas.

Jogava "torrinha" com as vizinhas, e muitas vezes essas partidas de ludo duravam toda a madrugada. Já o dominó e o Perfil ficavam reservados para jogar em casa, com os filhos. Também era apaixonada por peteca e foi campeã brasileira, mineira e de outros campeonatos que participou, acumulando troféus e medalhas. Celinha, como era conhecida pela turma do Praia Clube, era muito querida pelos companheiros de esporte e jogava de duas a três vezes por semana.

Quando não estava se divertindo com a peteca, trabalhava como esteticista em uma clínica da cidade. E era apaixonada pelo emprego, diga-se de passagem. Após o fechamento da clínica, Célia trabalhou por muitos anos na empresa de toldos do marido, para, nos últimos seis anos de sua vida, dedicar-se inteiramente à família.

Foi mãe zelosa de Pauline e Rodrigo, especialmente quando se tratava de manter a saúde deles em perfeitas condições. “Nunca me esqueço das noites que me acompanhou e consolou nas dores de ouvido, nas muitas idas ao médico, no pós-operatório da cirurgia que fiz aos 14 anos e no carinho e paciência que sempre teve comigo nesses momentos difíceis”, conta Rodrigo.

Outro momento de destaque foi o dia anterior ao nascimento do primeiro neto. Pauline estava ansiosa e se acalmou apenas quando ouviu a voz da mãe pelo telefone: “Minha filha, fica tranquila, mamãe fez uma oração pra você, acendeu uma vela… Vai dar tudo certo, você vai dormir a noite inteira. Sua noite vai ser supertranquila e amanhã nós vamos receber o Felipe nos braços”.

Felipe chegou e virou o xodó de Célia, que estava sempre disposta a cuidar e a fazer meladinhos para ele, num amor que crescia a cada segundo. Não faltavam bons momentos entre os dois: desenhavam, passeavam, contavam histórias e brincavam no chão com muita alegria. "Ele gosta muito de Halloween. E ela fez uma abóbora de feltro para ele. Tudo o que ela podia fazer por ele ela fazia." O netinho mais, Benício, Célia conheceu apenas na barriga da mãe, mas com certeza o amou incondicionalmente desde o primeiro ultrassom.

Para o filho, a característica de Célia mais marcante é o cuidado que ela tinha com as pessoas que amava: "Sempre queria cuidar, sempre queria cozinhar, sempre queria ser a primeira a fazer o café... É muito forte para mim a questão da dedicação e do cuidado integral". Preparar refeições caseiras era, para Célia, uma forma de expressar o seu carinho e amor pelos filhos. Quando Rodrigo voltava para Uberlândia, ela estava sempre pronta para agradá-lo com seus deliciosos almoços e lanches. Seus genros, Thiago e Uthan, também tinham um cantinho único e especial no coração de Célia. Todos amavam estar juntos, e os churrascos eram cheios de alegria e afeto.

Foi filha de pais amorosos, Paulina e Elmiro, e irmã de seis: Ailton Luiz, Aeriz Helena, José Roberto, Maria Aparecida, Márcia Antonia e Carlos Henrique. A família sempre foi muito unida, e todos sabiam que podiam contar um com o outro em todos os momentos da vida, fossem eles felizes ou tristes. A afilhada Letícia, por ser médica, conseguiu acompanhá-la durante a hospitalização (em que as visitas dos outros familiares não eram possíveis), sempre fazendo o possível para que a madrinha sentisse que não estava sozinha.

Célia foi uma mulher decidida, afetuosa e dona de uma personalidade forte: ninguém conseguia fazê-la mudar de ideia. Muitas vezes se via pensando mais no bem-estar das outras pessoas do que no seu próprio. Se tinha algo que a deixava brava era ver alguém falando mal de outra pessoa.

Dizer "que coisa estranha" quando seus pertences (principalmente a sua chave) sumiam sem explicação virou marca registrada e piada interna da família. Até o netinho, na época em que falava pouca coisa, repetia a frase da avó.

“O maior legado que ela deixou para nós foi a questão da honestidade, de andar sempre na linha, de sempre ver o lado bom das pessoas, de se colocar no lugar do outro, sabe? Olhar com um olhar amoroso”, completa Pauline.

Célia nasceu em Uberlândia (MG) e faleceu em Uberlândia (MG), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Célia, Pauline Ferreira Vicente Ornelas. Este tributo foi apurado por Mariana Ferraz, editado por Mariana Ferraz, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 12 de fevereiro de 2022.