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Cícero Márcio da Silva Pontes

1972 - 2021

Seus cozidos na panela de barro, fumegando sobre o fogão a lenha, eram de dar água na boca.

Da infância nas lavouras de fumo cultivadas pelo pai no interior alagoano, Márcio pegou gosto pelo trabalho com a carga. Assim, aprendeu aos poucos a dirigir a camionete modelo D20 que seu Arlindo usava nos canteiros de fumo e nas plantações de algodão. Era o ajudante principal na lida com a agricultura familiar que garantia o sustento da casa. Primogênito entre cinco filhos, também se encarregava de tomar conta de Marcilan, Marcelo, Igor e Iane quando a mãe saía de casa.

O tempo passou e veio a necessidade de se tornar independente. Encontrou no trabalho como caminhoneiro a oportunidade de fazer a vida. Viajava de norte a sul com o transporte de cargas em carretas para a empresa que o empregou por longos anos.

Logo que cocluiui o ensino fundamental, a paixão pela primeira namorada – Lourdes – levou Márcio ao altar. Moravam na mesma rua desde a infância e a amizade duradoura nutriu os encontros do casal. Juntos tiveram Beatriz, a “branquela do pai”; Brenda, a “nega do pai” e Bárbara, a quem ele chamava de “pequena”. “Elas eram seu maior tesouro”, conta Iane. Nas suas ausências, entregava à filha mais velha as responsabilidades da casa, que agora o homenageia em silêncio e lágrimas. E completa: “Beatriz era seu braço direito”.

Apegado à família, adorava ligar para as meninas avisando que estava prestes a chegar e pedia que fossem ao seu encontro, depois de 10, 12 dias separados pelos cansativos quilômetros percorridos país afora. Elas guardam a lembrança nítida e feliz das refeições que faziam quando ele estava em casa. Matavam as saudades com Márcio à beira do fogão a lenha, no preparo dos seus cozidos bem temperados em panela de barro. Com as manias e o jeito brincalhão, mandava fotos para os irmãos fazendo inveja da comida caseira saborosa. Depois vinham as conversas mais íntimas e cheias de amor, de pai para filha.

Nas idas à missa aos domingos, com a esposa e as três garotas, cultivava a religiosidade aprendida com a mãe desde menino. Seu programa preferido ficava ainda melhor com o almoço na casa dos pais, quando degustava as receitas preparadas com carinho por dona Maria da Glória para as reuniões familiares. Como ele vivia pelas estradas, estar entre os seus era motivo suficiente de alegria e bom humor.

Católico fervoroso, apoiou-se na fé em Deus para buscar o irmão, também caminhoneiro, infectado pela Covid-19 durante uma viagem ao Maranhão. Márcio, embora em férias com a família, não poupou esforços para resgatar o irmão doente. O vírus nesse momento era uma incógnita. Cada um deu o melhor de si nos cuidados com o outro. “Márcio foi nosso herói”, conclui a irmã Iane, emocionada.

Cícero nasceu em Arapiraca (AL) e faleceu em Arapiraca (AL), aos 48 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Cícero, Iane Priscila da Silva Pontes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 27 de outubro de 2022.