1955 - 2020
Nordestino, abraçou o Rio como morada e fez dela lugar de festa e acolhimento aos parentes que precisassem.
"Seu Cícero", como era conhecido, era muito querido pela família e pelos amigos. Um dos 14 filhos dos cearenses Maria e Antônio, nasceu na pequena cidade de São Benedito (CE). Nos anos 70, ainda bem jovem, veio para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida e trabalho. Na chegada à capital carioca, foi acolhido pelos irmãos Joaquim e Manoel. Joaquim, o mais velho da família, já morava na região da Lapa. Viera antes para o Rio em um caminhão adaptado para transporte de passageiros, os chamados paus de arara.
Logo conseguiu um emprego como cozinheiro, profissão que adorava. Na verdade, esse foi o primeiro e único vínculo de trabalho dele durante toda a vida, pois manteve uma ótima relação com os donos do restaurante onde cozinhou por mais de trinta e cinco anos, até a aposentaria. Na casa, que funcionou nos bairros do Flamengo, Estácio e Rio Comprido, toda sexta-feira era dia de preparar aquela tradicional feijoada. O caldo de mocotó do Seu Cícero também era muito apreciado pela clientela.
Imerso na cultura do Rio de Janeiro desde muito novo, Cícero assimilou um pouco o jeito de ser dos cariocas. Adorava festas, e nos encontros de família o churrasco era preparado por ele. Tinha uma voz inconfundível por seu timbre vibrante, que transmitia seu bom humor e alegria. Na memória do sobrinho-neto Davi está viva “a imagem dele lá perto da churrasqueira, botando a carne para assar, servindo as pessoas”. A celebração que não podia faltar era a do aniversário da filha Nathalia, nome escolhido em comum acordo com a esposa dona Teresinha, numa referência ao fato dela ter nascido na noite do dia 24 para 25 de dezembro. Desde então, os festejos natalinos eram momento de também comemorar o aniversário da filha única.
Além das festas, outra característica marcante da casa de dona Teresinha e Cícero era o fato de que o lugar ser espaço de acolhimento dos parentes nordestinos. Eles não mediam esforços para receber quem precisasse, dando apoio e aconchego. Davi recorda que, quando criança, gostava de ficar na casa deles. Sob os cuidados do tio-avô e de dona Teresinha brincava muito pela casa e adorava quando podia dormir lá. Vários outros parentes vindos de São Benedito (CE) encontravam as portas da casa sempre abertas, num ponto de apoio acolhedor.
O neto Benício foi uma das grandes alegrias da casa e de Seu Cícero. Logo após o nascimento dele, a filha Nathalia passou uma temporada na casa dos pais. A decisão aconteceu porque o genro Alexandre trabalhava até tarde na sua pizzaria e todos decidiram evitar que somente os dois ficassem durante a noite na casa onde moravam. Davi conta que ele tornou-se "o melhor avô possível, sempre estava carregando Benício no colo e brincando com ele, era a pessoa mais próxima dele". Nathalia confirma e lembra que Cícero fazia de tudo: dava banho, preparava a alimentação, levava e buscava na escola, brincava muito com Benício.
Fazer amizades e construir afetos dentro e fora da família era outra habilidade desse nordestino de nascimento e carioca por opção. Cícero tinha um carinho muito especial pelas irmãs Antônia e Terezinha. As duas moravam no Rio também e sempre que podia ele as visitava para conversarem. Entre os sobrinhos o tio era amigo comum. A tal ponto que a iniciativa de prestar essa homenagem partiu do sobrinho-neto Davi. Outro exemplo aconteceu com o namorado e atual genro Alexandre, que para Cícero era como “o filho homem que ele não teve”. Graças a seu jeito sempre alegre e extrovertido ele também era conhecido de muita gente e fez muitas amizades no bairro. Sentar-se com eles à mesa dos bares do Rio Comprido e “jogar conversa fora”, enquanto tomavam cerveja, era um hábito frequente.
No futebol, o time de coração de Cícero era o Botafogo. Com uma curiosidade: numa família onde a esposa, a filha e o genro são vascaínos. Assim, dentro de casa, nos dias de jogo entre os dois times, ele ficava em desvantagem e precisava aturar a torcida pelo adversário.
Como esposo, pai, tio, irmão, sogro, amigo... Cícero está na lembrança e no coração daqueles com quem conviveu pelo seu bom humor e simpatia.
Cícero nasceu em São Benedito (CE) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo sobrinho-neto e pela filha de Cícero, Davi Rodrigues Alves e Nathalia Freire da Costa Marques do Anjos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 22 de maio de 2021.