Sobre o Inumeráveis

Cilene Baccas

1967 - 2021

Ao lado da irmã, Marilene, viveu as mais incríveis experiências: de shows à preparação das feijoadas de sábado, elas eram inseparáveis.

Ela era filha de Augustinho e Alzira e irmã de Eduardo, Elza e Marilene. Muito dedicada aos pais, levou-os para morar em sua casa para melhor assisti-los. Sem medir esforços, buscava proporcionar-lhes conforto e tranquilidade, e deles recebia o maior amor do mundo.

Como um verdadeiro alicerce, representava um elo entre todos da família e sua casa era um abrigo em toda e qualquer situação. Fazia questão de manter contato com todos e de criar motivos para que a família pudesse se reunir.

“Para ela, sinônimo de felicidade e realização era estar ao lado de seus familiares, fosse em viagens ou em datas comemorativas. Ela e eu éramos as organizadoras oficiais das celebrações: pensávamos sobre o que faríamos, onde seria, quem participaria. Definitivamente, a presença dela dava cor e sentido aos encontros da nossa família!”, conta a irmã Marilene.

Cilene vivia uma união estável com Mozart, que conhecera no escritório de contabilidade onde ela trabalhava. E, no seu relacionamento com ele, era tão intensa como em todos os demais papeis familiares que desempenhava. Foi mãe de Douglas e Vinícius, que lhe presenteou com uma neta, fruto do relacionamento com Thaís — que ela considerava como uma filha mesmo depois que o casamento com o filho se desfez. Seu grande sonho era dar o máximo de conforto aos filhos e, principalmente, à neta. Ela só conseguia sentir-se realizada com a felicidade dos seus amados.

Marilene relata que ela dizia sempre que a netinha era a razão de sua vida: “Minha irmã fazia tudo pela Camile, aproveitava o máximo de tempo ao lado da neta. Quando saía para fazer compras, não podia ver uma loja infantil, que logo pensava na menina. Cilene também auxiliava a neta nas lições de casa, com muito carinho e paciência. Ela dizia que a Camile trouxe sentido à sua vida. A menina, por sua vez, quando perguntada o que queria ser quando crescesse, prontamente, respondia: 'Quero ser igual a minha avó!'"

Marilene, em sua homenagem, tenta descrever a irmã falando de suas características pessoais: “Ela era dona de uma gargalhada que era só dela. Suas grandes paixões eram a família, a academia e seu amor maior: a neta Camile". A academia era o seu escape na luta contra a síndrome do pânico.

“A palavra que descreve perfeitamente a Cilene é família, o seu valor mais proeminente. Sentia-se em paz quando estava cuidando de todos ao seu redor, principalmente dos pais, dos filhos e da neta. Partiu deixando nossa mãe, na época com 82 anos, e seu último pedido foi para que cuidássemos dela.”

“Conseguia ser a pessoa mais alegre e mais estressada em um intervalo de cinco minutos, mas, mesmo nas suas explosões, era muito engraçada. Nossas piadas eram só nossas e ríamos até fazer xixi nas calças, de doer as bochechas e a barriga. Estava sempre pronta a me ajudar”.

“Ciumenta ao extremo, era também muito irritadiça! Se uma mosca pousasse nela, já era motivo para explodir. Contudo, a raiva que ela sentia, não durava muito tempo. Este era, inclusive, um dos principais motivos de brigas entre ela e o filho mais novo, Douglas. Eles tinham a mesma personalidade. Nestes momentos de discussão, os dois pareciam mais amigos do que mãe e filho. Ele queria abraçá-la, beijá-la e ficar grudado nela, que se incomodava com esses excessos, embora, no fundo, amasse todo o afeto do filho.”

“Quando ficava com raiva de alguém, fosse de quem fosse, qualquer um que falasse mal dessa pessoa já a deixava irritada. Na cabeça da minha irmã, apenas ela podia estar brava com uma determinada pessoa, principalmente se fosse os seus filhos ou os nossos pais. Ela era extremamente ciumenta com todas as pessoas que amava; e por sermos muito grudadas, tinha ciúmes até dos meus amigos.”

Cilene era obcecada por limpeza. Mantinha a casa impecável e, mesmo diante de muitos compromissos, dava conta de tudo. Colaborativa ao extremo, quando chegava na casa da irmã logo perguntava: 'Quer que eu passe um pano no chão'?

Vivia um verdadeiro fascínio pelo time do São Paulo — paixão herdada do pai e passada aos seus filhos. E, de vez em quando, ela e os filhos assistiam a partidas no estádio. Seu sentimento pelo Tricolor Paulista era tão grande que chegava até a arrumar confusão por causa disso.

Sobre seu gosto musical, conta a irmã: “Diversas músicas, de todos os estilos, me trazem recordação dela. Entretanto, 'Making Love Out of Nothing At All', do duo australiano Air Supply, é a mais lembrada. Fomos ao show deles com nossa amiga Edi. Naquele dia, marcamos de nos encontrar na casa da Edi e quando a filha dela nos perguntou o que era Air Supply, nós três, ao mesmo tempo, começamos a cantar essa canção. A sincronicidade da situação, fez com que ríssemos muito. Além disso, sempre comentávamos o quanto esse show foi marcante e, com toda a certeza, o melhor das nossas vidas”.

Cilene trabalhou no escritório de contabilidade até o nascimento do seu primeiro filho. Depois formou-se em Depilação e Massagens e tornou-se proprietária de um salão de beleza em sua própria casa. Nele realizava um trabalho impecável, que além de agradar as clientes, acabava por transformá-las em grandes amigas.

Durante a Pandemia, Marilene, que trabalha no setor de realização de eventos, enfrentou uma redução drástica nas atividades. Então o cunhado, Rodrigo, resolveu preparar feijoadas na casa de Cilene para vendas em entrega. Por exatamente um ano, ali funcionou a Feijucaria Delivery que, apesar de ter sido um negócio pouco lucrativo, foi uma oportunidade inestimável para as irmãs, que puderam passar mais tempo juntas, dando incontáveis risadas.

Gostava de viajar e adorava cozinhar. Preparava todo tipo de comida, mas os doces eram a sua especialidade. Assim, deixou todos saudosos de duas de suas sobremesas: pavê de amor em pedaços e flan de uva com calda de vinho. Além disso, devido ao empreendimento da Feijucaria, impossível não se lembrar dela quando o assunto é feijoada.

Entre as memórias afetivas mais marcantes em relação à irmã, Marilene relembra: “Carrego inúmeras recordações dos quarenta e quatro anos que vivi ao lado da minha irmã. Afinal, ela era a minha alma gêmea. Para todos esses momentos há uma fotografia em que estamos juntas”.

E emenda: “Sou a caçula e tínhamos 10 anos de diferença. Quando soube que a minha mãe estava grávida, Cilene detestou por não continuar sendo a filha mais nova. Entretanto, volta e meia ela mesmo contava que, ao me ver, logo se encantou por mim. No decorrer da vida, Cilene foi pra lá de irmã, desempenhando muitas vezes o papel de mãe, além de amiga.

“Um episódio que ela e minha mãe contavam era que, com pouco mais de 1 ano, eu mal sabia andar. Entretanto, Cilene tinha que subir no beliche para fazer as tarefas escolares porque eu ficava inconformada de não estar com ela. Certo dia, enquanto minha irmã fazia lição de casa na cama de cima, eu subi repentinamente a escada para ficar ao seu lado. Éramos um grude, foi assim durante toda a vida. Ela sempre estava preocupada e não media esforços para fazer tudo por mim.

“Ela e eu organizávamos todas as comemorações, desde a preparação até o pós-festa, onde nos reuníamos para comer o que havia sobrado. Fazíamos tudo juntas: levávamos nossos pais ao médico, buscávamos os medicamentos deles no posto de saúde, saíamos para tomar café, íamos ao shopping e na região central da cidade para ver as lojinhas, viajávamos e curtíamos shows. Estávamos sempre uma ao lado da outra. Quando eu pensava em ir a algum lugar, telefonava para ela e logo passava para buscá-la, e vice-versa. Os meus amigos faziam amizade com ela, assim sempre fazíamos tudo juntas”.

Marilene relembra do bom humor que partilhavam: “Eram coisas muito bobas e simples, que só as duas entendiam e, por este motivo, na maioria das vezes, apenas ela e eu ríamos. Por exemplo, Cilene frequentemente me ligava para perguntar se me devia algo. Neste momento, do outro lado da linha, ela me ouvia teclando na calculadora, o que a fazia rir compulsivamente. Até hoje, todas as vezes que recebo uma mensagem no celular, penso ser dela”.

A irmã conclui sua homenagem resumindo a falta que sente de Cilene e o que com ela aprendeu:
“As comemorações de Páscoa e Natal eram a cara dela. Já nem consigo mais comemorar essas datas, acabaram junto com a sua partida”.

“A minha irmã partiu no Dia do Amigo, uma data que era muito importante para nós e que perdeu o sentido. Durante alguns anos, nessa data, minha irmã, nossa amiga Edi e eu fazíamos o 'churrasco dos amigos' para celebrar a nossa amizade. Passávamos o dia todo juntas, em momentos repletos de alegria e gargalhadas.

“Sua partida repentina nos mostrou, sobretudo, o valor da vida. Tudo ficará aqui. Levaremos apenas o bem que fizemos e as recordações de uma trajetória bem vivida. É preciso aproveitar o presente com a devida intensidade, porque, na verdade, nem sabemos se existirá o amanhã. Além disso, devemos valorizar cada segundo com a nossa família e os nossos amigos. Assim como fez Cilene.”

Cilene nasceu em São Caetano do Sul (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Cilene, Marilene Baccas Pedrotti. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 26 de agosto de 2023.