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Cinira Conceição do Nascimento

1925 - 2020

Teceu belos momentos com as linhas de seus crochês, ponto a ponto criou sua própria felicidade.

Costumava ser descrita como uma pessoa um pouco fechada; no entanto, bastava que pegasse confiança, e Cinira começava a falar. Amava conversar, principalmente sobre as memórias de sua vida, e a infância que viveu em Barbacena, onde colecionou preciosos momentos para contar àqueles que quisessem ouvir. Amava recordar as idas para a casa da avó com um de seus irmãos, e também todas as vezes que fez companhia ao pai até a escola de música - ele tocava um instrumento de sopro.

Saiu de Barbacena com a mãe e os irmãos depois do falecimento de seu pai e só pararam ao chegar à Cidade Maravilhosa, onde moraram de favor, e passaram aperto financeiro. Com o tempo, a vida da família começou a a ganhar cores novamente, e eles conseguiram morar todos juntos.

Falando em tempo, Cinira era uma mulher de vanguarda. Foi “mãe solteira” 60 anos atrás, passando pelo julgamento e preconceito de uma sociedade que tinha e ainda tem muito o que evoluir. A moça, à época, não se deixou levar por nenhum comentário que ouviu, sempre tendo suas prioridades muito frescas e firmes em sua mente. Ajudar a mãe, e criar a filha e seus sobrinhos queridos. Cinira fora fundamental também na criação de sua neta; afinal, cuidava da menina para que sua filha pudesse trabalhar.

Um verdadeiro exemplo de força, determinação e bondade. Construiu duas casas, adorava ajudar nas obras! Fora a realização de um sonho para ela. Cinira trabalhou bastante e fez muitas horas extras para juntar dinheiro. Começou a construir sua primeira casinha, mas o local era muito longe de onde morava e trabalhava; então, comprou um outro terreno, mais perto, e se esforçou para que desse certo. Durante grande parte de sua vida, a meta foi acabar as casas, e ver seu trabalho feito por completo; afinal, “Não existe nada melhor do que um lar, e uma família, sempre por perto, que se ajude em tudo!”, dizia ela.

Altruísta, estava continuamente disposta a ouvir e a ajudar a todos. Das coisas que mais amava no mundo, além de sua família, é claro, destacavam-se os doces, pelos quais era apaixonada. Também não abria mão de tirar um longo cochilo durante a tarde, especialmente depois do almoço. Era louca por plantas, dedicava-se a cuidar de seu pequeno jardim, e dos inúmeros vasinhos que tinha como se fossem filhos, um mais lindo que o outro, como sua neta gosta de relembrar.

Outra de suas atividades favoritas era criar tecidos em crochê. Ela dominava essa arte! Dizia que aprendeu sozinha, e fazia belíssimos trabalhos. Roupas, mantas, panos para enfeitar a mesa de casa, toucas e tudo o mais que sua imaginação fosse capaz de inventar. Fazia tudo a olho mesmo, sem receita, e com todo o amor que podia colocar em cada peça.

Mulher de muita fé, amava fazer caridade; por isso, tecia tudo o que podia para doar para crianças carentes. Amava presentear a família com seus crochês, não tinha um amigo que fosse casar ou se mudar de casa, que não recebesse um presente feito por suas mãos. Todas as crianças de sua família tiveram mantas personalizadas por ela. Barbara, sua neta, guarda tudo que recebeu da avó em uma caixinha, para passar aos filhos que tiver um dia.

Cinira queria muito deixar por aqui coisas feitas por ela mesma; e conseguiu. Além dos seus crochês, ela deixou algo extremamente valioso: ensinamentos sobre ajudar o próximo; palavras de incentivo à busca da felicidade, por mais que pareça muito difícil e exemplos de que para alcançar as realizações, é necessário paciência, perseverança e empatia. Deixou por aqui seus valores, sua marca e sua essência.

Cinira nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 94 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Cinira, Barbara do Nascimento Mazzei. Este texto foi apurado e escrito por Letícia Virgínia da Silva, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 12 de maio de 2021.