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Clarice Pereira dos Santos

1961 - 2020

Arretada como uma boa baiana, foi forte e determinada. Sempre lutou pelas coisas que acreditava.

Escolheu a arte de ensinar, e fez com maestria. Professora por mais de 30 anos, amava lecionar. Tratava cada um de seus alunos como filhos, fazendo por eles o possível e, às vezes, também o impossível. Fazia questão de organizar as festas da escola em que trabalhava, e muito comunicativa, pedia aos comerciantes da cidade uma contribuição para a comemoração e só sossegava quando ganhava a ajuda.

Sempre foi independente. Não chegou a ter filhos, mas partilhou mais de 15 anos de vida e de amor com o companheiro Valdir. Os dois estavam sempre fazendo programas juntos, adoravam viajar e conhecer lugares e pessoas novas, sempre dividindo poltronas do avião e as aventuras que compartilhavam.

Adorava cozinhar. Nas horas vagas, estava sempre preparando receitas que ganhavam o estômago de quem tivesse a sorte de se deliciar. De vez em quando, chegava a preparar os lanchinhos na escola onde trabalhava, mas na maioria das vezes era em casa que exibia seus dotes culinários. Clarice convidava os amigos para as refeições e adorava tirar fotos para provocar quem não podia ir. Os que estavam se esbaldavam de comer, e quem não ia se alimentava apenas de vontade.

Elegante como só Clarice era, estava sempre bem vestida e de salto alto. Não importava o destino, era sempre assim. Dizia que não conseguia andar de sandália baixa e rasteirinha. Cativou muitas amizades ao longo da vida. Seu jeito espontâneo e forte conquistou muitas pessoas ao longo da jornada. Foi muito querida por todos que tiveram a sorte de ter Clarice em suas vidas.

Filha mais velha de cinco mulheres, perdeu o pai em 2009 e a mãe em 2017. Mesmo com todas as irmãs já adultas, Clarice nunca deixou de se preocupar com nenhuma delas. Em outubro de 2014 deixou a sala de aula e foi trabalhar na APLB (Associação dos Professores Licenciados do Brasil), lutando pelos direitos dos professores da Bahia.

Arretada como sempre foi, Clarice enfrentou muitas batalhas durante sua vida. Foi mulher, negra, nordestina. Conheceu muitos monstros e ouviu muitos nãos, mas nunca se rendeu a nenhum deles. Houveram muitos dias chuvosos e cinzentos, mas os ensolarados fizeram valer a pena qualquer coisa.

Clarice deixou saudades em todas as pessoas que tiveram a honra de ter em suas vidas. As ruas de Salvador não ficam tão glamorosas sem seu salto desfilando por elas, e as reuniões perderam um pouco do encanto sem a sua presença. Clarice se foi, mas os que a amavam sempre levarão as memórias que construíram juntos, e o gostinho da feijoada que só ela sabia fazer.

Clarice nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Clarice, Diva Pereira dos Santos. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Bárbara Aparecida Alves Queiroz, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 3 de março de 2021.