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Claudinei Gouveia

1956 - 2020

Um ser alado, cujo voo deixa poesia, simplicidade, gentileza e amorosidade nas lembranças dos seus.

"O poeta" é como a filha Ana Cláudia define o pai, afirmando com orgulho: "eu sei o que foi ter um pai de verdade".

Desde muito jovem, descobriu uma de suas maiores paixões: escrever poemas. O primeiro, escrito quando tinha apenas 13 anos, recebeu o título de "longa estrada". Inspirado nas obras de Carlos Drummond de Andrade, considerava-se um romântico.

O grande desejo desse pequeno poeta, no entanto, era o amor da sua mãe, que sempre lhe pareceu distante, como grande parte dos familiares. Tal fato intensificou-se quando, mais tarde, Claudinei casou-se com Aparecida, uma mulher negra e de baixa renda. "O único que nos deu carinho e importância foi o meu avô, falecido em 2015. A minha avó sempre nos rejeitou", conta Ana Cláudia.

Ainda assim, Claudinei não permitiu que tamanha amargura preenchesse o seu bondoso coração. Na verdade, nesse havia amor, zelo e cuidado infinitos pela esposa, filhos e netos. Claudinei foi aquela pessoa que prezava pela família acima de tudo, e que levava a sério o lema "um por todos e todos por um". Um homem trabalhador que nunca deixou faltar o pão e o teto, e sempre lutou com unhas e dentes para defender e proteger a quem amava.

Trabalhou na área de segurança, na UNICAMP, onde recebeu o auxílio necessário para a publicação de 100 exemplares do seu livro "Surgiu um Anjo", que reuniu 82 poemas. Quando, após muita luta, finalmente alcançou a tão sonhada aposentadoria, propôs uma festa para celebrar a data. "Dançou como nos anos 70" e a tamanha alegria com que comemorou, marcou a memória dos familiares. Outro grande sonho era, após a aposentadoria, conhecer Portugal, lugar de origem dos pais. Esse sonho, infelizmente, não foi concretizado.

Ao todo, foram três filhos: Adriano, Ana Cláudia e Alessandro, que faleceu em 2004. Apesar da dor da perda de um filho, Claudinei seguiu sendo o melhor pai para os outros dois. Mesmo quando já estavam mais velhos, mantinha-se preocupado e atencioso, o que se manifestava nas marcantes e lindas mensagens diárias em que desejava "bom dia", "boa tarde" e "boa noite", e nas perguntas solidárias "precisam de alguma coisa?", ou "querem comer algo?"

A filha relembra que, quando Claudinei saía, era certo que levaria alguma fruta ou carne para casa. Todos os dias preparava o jantar para a família, o que veio a ser um gesto de amor anunciado em alto e bom som. "Compartilhamos o mesmo terreno. Eu moro na casa da frente e meu pai morava na casa do fundo. Na hora do jantar, ele gritava: 'Tá proooonto!' E os vizinhos já sabiam que íamos jantar", relembra Ana Cláudia. Além de bom esposo e pai, foi mais que um avô para os netos Vitor, Julia, Lucas, Pedro, Isabelly e Laura.

Apelidado carinhosamente de Zé Gotinha e Carequinha, foi um homem gentil e amável e um amigo inesquecível para todos, como descrito no prefácio do seu livro, pelo colega e docente da UNICAMP Moamed Habib:

“A UNICAMP reedita essa publicação porque reconhece que, dentro dessa simplicidade estrutural linguística, o autor conseguiu criar uma obra de um profundo sentimento romântico e poético. Exatamente este é o perfil de Claudinei Gouveia, o nosso colega de trabalho e autor deste livro. Orgulho-me de tê-lo como membro de nossa comunidade, pois além de ser um profissional exemplar, é um grande poeta. É um cidadão que por sua sensibilidade e capacidade de expressão poética, acaba de nos oferecer uma obra que vale a pena ser lida. Valeu, Claudinei!”

Como ser simples que era, cultivava gostos como comer doces, sentar-se à mesa com a família para saborear seus pratos preferidos e, claro, escrever: à mão ou no celular, não importava, escrevia por amor e deixa, além do legado de dedicação à família, poemas que dariam para compor pelo menos mais dois livros. "Ele foi imensamente amado e, por vezes, até desconhecia a dimensão desse amor", conta a filha Ana Cláudia, que finaliza sua homenagem compartilhando um dos poemas de Claudinei, seu grande pai e poeta:

Ser Alado

Galopando entre as nuvens
Suas pegadas eu sigo
Na esperança que mude
E só cavalgará comigo

Tento dar asas e não consigo
A este findo sonho meu,
Na solidão lhe pedi abrigo
Mas você me prendeu

Por que você não me liberta
Desta minha prisão?
As correntes já apertam
E prendem meu coração

Sou um ser alado
Solte-me para voar
Será que morrerei amarrado?
Sem você para me amar.

Claudinei nasceu em Campinas (SP) e faleceu em Campinas (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Claudinei, Ana Cláudia Gouveia Lima. Este tributo foi apurado por Lila Gmeiner, editado por Luciana Fonseca, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 22 de fevereiro de 2021.