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Cláudio Roberto Nunes da Silva

1975 - 2020

Sonhava em ter uma carreta para viver na estrada.

Cláudio Roberto, também chamado de Bel pelos mais próximos, era caminhoneiro. Com uma empatia gigante, sabia muito bem a hora de praticar a solidariedade com aqueles que estavam perto e com aqueles que sequer conhecia.

Foi na Vila Canária, bairro popular da capital baiana, que o filho de dona Lia e seu Cláudio encontrou e viveu a vida. Apesar de ser o mais novo dos cinco irmãos, desde muito jovem agia como se fosse o mais velho. Nos momentos de tensão familiar ou desafios da vida, estava sempre atento e disposto a intervir para mediar soluções para os conflitos, propor e encaminhar soluções.

Graças a sua relação afetuosa e próxima com os sobrinhos que o chamavam de tio Bel, ganhou esse apelido também na vizinhança da Vila Canária. Assim, nas festas que organizava na porta de casa, com animados churrascos, era "Tio Bel pra cá, Tio Bel pra lá", na boca dos muitos amigos. Durante as confraternizações na área em frente à casa dele, a animação ficava por conta dos pagodes e músicas sertanejas que Cláudio tanto gostava de ouvir.

Entre as amizades, Di era especial. A tal ponto que tornou-se padrinho de Mariana, a filha única de Cláudio. Outro amigo bem próximo, apesar de morar em Sergipe, era o Luiz. Foi ele quem avisou a ex-mulher Carla do adoecimento de Cláudio. A partir daí ele passou a fazer contato com os sobrinhos e um irmão para ter notícias.

Cláudio e Carla tiveram um relacionamento por dois anos e depois se separaram. Passados outros dois anos, voltaram a namorar. Foi uma relação de muita cumplicidade e cuidado mútuo. Carla conta saudosa que Bel foi “a pessoa mais humana que conheci. Eu me senti muito querida enquanto estive com ele". O mesmo vale para Paula, a filha mais nova de Carla, que passou a chamar Cláudio de pai. Mesmo depois da separação, eles estavam sempre por perto um do outro, numa grande amizade.

Entre as boas lembranças está uma passagem de ano na praia. Eles prepararam comes e bebes e foram para a areia celebrar o novo ano que se iniciava. Foi um momento muito especial pois os dois decidiram ir sozinhos para a praia, sem mais nenhum parente ou amigo.

Um dos sonhos de Cláudio era ter uma carreta para viver na e da estrada, trabalhando em empresas de logística de transportes. Contudo, a carteira de motorista dele era classe “D”, não permitindo dirigir esse tipo de veículo. Entre os projetos que pretendia realizar estava o de tirar carteira “E”, comprar um cavalo mecânico e sair pelo país transportando cargas.

Desde muito jovem tinha seu caminhão 1113 trabalhando no transporte de materiais plásticos e tintas. Certa vez, no período que antecedeu o carnaval, transportou também páletes e materiais para montagem de camarotes no circuito carnavalesco de Salvador.

Anos depois, vendeu seu primeiro caminhão e adquiriu um outro, com baú. Contudo, Cláudio seguia transportando somente cargas. É que apesar do caminhão ser adequado para a realização de mudanças, ele não gostava de fazer esse tipo de trabalho.

Outra paixão de Cláudio eram carros antigos. Por um bom tempo ele teve e cuidava com muito zelo de um Del Rey que para ele era “um chamego só”. O veículo andava sempre impecável no que se refere à mecânica e aparência. Nos finais de semana era hora de caprichar na limpeza. Vez por outra dava aquele polimento na pintura, pois não gostava de levar o Del Rey a nenhum estabelecimento especializado na lavagem de veículos.

Com sua capacidade sem igual para se identificar com o outro, Cláudio sabia acolher e estava sempre disposto a ajudar qualquer pessoa que batesse à sua porta precisando de um auxílio. Com os caminhões, algumas vezes fez pequenos carretos sem cobrar nada, pois sabia que a pessoa não estava em condições de pagar pelo serviço.

Cláudio segue vivo em subidas e planos; retas e curvas das estradas em que ele tanto sonhava dirigir país a fora.

Cláudio nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 46 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela ex-mulher de Cláudio, Carla verônica Viana matos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 19 de novembro de 2021.