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Cleuton da Silva Arrais

1977 - 2020

Apaixonado por paredões de som, construiu o Paredão Arrais, que fez a alegria das festas da família e da região.

Cleuton foi uma criança pequena muito travessa criada em Santa Catarina. Guardou pouca recordação dessa época, já que aos oito anos a família mudou-se para o Ceará. Da infância, adolescência e início da vida adulta na cidade cearense de Limoeiro, as recordações são de muita alegria, diversão e traquinagem, andando de bicicleta, de moto e se divertindo com os amigos em longas pescarias, mesmo que o resultado fosse não levar nenhum peixe para casa.

Honesto e trabalhador, foi caminhoneiro por muitos anos e sempre teve paixão pela profissão e pela estrada. Economizou por muito tempo até comprar seu próprio caminhão e trabalhar por conta própria. De todas as profissões que teve, a esposa Isabella acredita que essa foi uma de suas preferidas, pois adorava dirigir. Mas a profissão também pregou alguns sustos na família: em uma ocasião, tiveram a notícia de que um veículo idêntico ao de Cleuton havia se acidentado e que o motorista não havia sobrevivido; foram momentos de muita angústia, com a família e amigos tentando contato sem sucesso. Algumas horas depois, o telefonema dele para o pai trouxe alívio a todos. Cleuton estava bem e a salvo.

Anos mais tarde, fez o curso de técnico em Radiologia e trabalhou em um hospital da cidade de Limoeiro. Porém, o trabalho exigia longas jornadas, muitas vezes noturnas e aos finais de semana. Priorizando a convivência com a família, passou a atuar como coordenador de transporte escolar do município, já que os horários lhe permitiam passar mais tempo com todos.

Foi casado com Isabella por seis anos, após cinco anos de namoro. A história do relacionamento deles se confunde com a trajetória profissional de Cleuton. Conheceram-se quando Isabella foi passar uns dias na casa de uma colega de faculdade, que era irmã dele. Nessa época, iniciaram o namoro, mas pouco se viam por conta das viagens como caminhoneiro. Anos mais tarde, Cleuton fixou residência em Fortaleza para concluir o curso de Radiologia, cidade onde Isabella morava e cursava a faculdade. Com a convivência diária, o relacionamento se fortaleceu ainda mais. Isabella lembra que, logo no começo do namoro, ele a presenteou com um anel de compromisso. Mesmo com um pé atrás, ela aceitou e eles passaram a usar.

Desde o início, Cleuton já dizia que Isabella seria sua esposa. Ela quis esperar a formatura e a estabilidade financeira com um emprego formal. Enfim, em 2014, o namoro virou casamento e, como fruto, tiveram duas filhas. Cleuton era também pai de três filhos de relacionamentos anteriores. A chegada das meninas fez Cleuton passar a ser uma pessoa ainda mais organizada com as finanças. Ele sabia da responsabilidade de colocar uma criança no mundo e queria sempre dar o melhor aos filhos.

Apaixonado pela esposa e pela família, Isabella lembra com carinho que todo ano o marido queria renovar os votos. Ela respondia, brincalhona, que esses eventos deveriam ser guardados para momentos especiais, como os 10 anos de casados, por exemplo.

Com as filhas, foi um pai muito presente. Cuidava, dava banho, alimentava. Só não esteve presente no parto pois tinha medo de tudo relacionado a hospitais, dizia que passava mal. Não teve muito tempo de curtir a caçula, pois a pequena tinha apenas 8 meses quando o pai partiu, o que não o impediu de ser um pai participativo e presente. A mais velha, Giovana, batizada em homenagem à tataravó de Cleuton, era muito apegada a ele e guardará a memória de um pai carinhoso, que fazia de tudo para proporcionar momentos de diversão, como um passeio em um clube, ou mesmo uma ida a um parquinho.

Apesar de ambos trabalharem muito e Isabella, como enfermeira, ter que cumprir plantões à noite, todos os momentos juntos eram aproveitados. Era uma felicidade só quando ele chegava no início da noite em casa. Quando podiam, também gostavam de curtir um jantar a dois, um passeio na praia ou mesmo uma visita à mãe de Isabella, em outra cidade. Gostava de reunir a família em casa ou na casa de seus pais, que visitava quase todos os dias. Quando queriam juntar todos, alugavam um sítio ou uma casa de praia.

Conquistaram muitas coisas juntos: a casa, o carro, a reforma da casa, um carro mais novo, e assim por diante. Cada conquista era motivo de muita comemoração em família. Excelente cozinheiro, fazia questão de preparar um prato caprichado em cada ocasião e abrir uma garrafa de vinho. Sua especialidade era o risoto de camarão. Sempre que sobrava um tempo, ligava para a esposa e anunciava: “Tire o camarão e coloque um vinho para gelar que hoje vou cozinhar”.

Nos momentos de folga, além de curtir a família e surpreender a todos na cozinha, gostava de reunir os amigos, assistir jogos do Flamengo, jogar vôlei ou futebol na areia, fazer passeios de moto e assistir séries. Sua preferida era Prision Break. Em época de eleições, participava ativamente da política local. Desde criança, nutria uma paixão especial por paredões de som. Foi montando o equipamento aos poucos, ao longo dos anos, comprando uma peça de cada vez. No início, eram montados no porta malas do carro, mas com o tempo conquistou um paredão de respeito, daqueles puxados por reboque e tudo. Nem na sua casa cabia. Era um grande motivo de orgulho. O Paredão Arrais, como batizou, fez a alegria de muitas festas na região, já que Cleuton o alugava para eventos. Além disso, nos eventos de família, nos churrascos, Natais, festas de Réveillon, chá de fraldas das filhas, casamento, lá estava o Paredão Arrais animando a todos (embora alguns não gostassem da música tão alta, como lembra entre risos a esposa).

Dono de um coração gigante disfarçado por uma aparência bruta e um jeito tímido à primeira vista, carregava uma enorme vontade de ajudar o próximo. Sempre compravam itens para doação e deixavam no carro para distribuir. Da época de caminhoneiro, Cleuton sempre estava disposto a ajudar quem lhe pedisse. Quando podia, se dispunha a comprar um prato de comida a quem estivesse precisando. Também comprava brinquedos no período do Natal e presenteava as crianças em comunidades carentes. Existem poucos registros desses momentos, pois Cleuton sempre fez questão de dizer que caridade não precisava ser divulgada.

Muito conhecido e querido na cidade onde morava, deixa saudades; afinal, não é todo dia que uma alma generosa dessas aparece para iluminar o mundo de todos ao seu redor.

Cleuton nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Quixeramobim (CE), aos 42 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Cleuton, Isabella Magalhães. Este tributo foi apurado por Marina Gabriely A. da Silva, editado por Marília Ohlson, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 22 de novembro de 2021.