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Cliciane Ferreira Fochesatto Vieira

1981 - 2020

Médica que tinha sempre um sorriso no rosto, transparecendo sua paixão e apreço não só pela sua vida, mas pela vida dos outros.

A sua vida foi uma completa aventura, marcada por muitos atos de bravura e coragem. Viveu uma infância bem difícil, sendo a mais velha de três filhos. Passou por dificuldades financeiras com a família, mas ela nunca deixou que esses obstáculos abalassem sua fé.

Como uma boa escorpiana, era cheia de garra e coragem. Mesmo depois de mais velha, com seu coração enorme, foi atrás de seu sonho: entrou na faculdade de medicina para ajudar pessoas. Depois de muita luta, ela se formou e se mudou sozinha para Fonte Boa (AM), sem conhecer ninguém na pequena cidade. Mais uma vez se manteve firme, começou a trabalhar em um hospital na área e logo já ganhou o coração de todos.

Vivia recebendo presentes dos pacientes e funcionários e mandava fotos toda feliz para a filha, que mora em Nova Mamoré (RO). Tinha sempre um sorriso no rosto, que transparecia a sua paixão e apreço não só pela sua vida, mas pela vida dos outros.

Mesmo morando a 881km de distância da família, o amor que sentia por eles nunca diminuiu. Cada momento que passavam juntos, quando ela ia visitá-los, era único e quase sempre incluía sua outra paixão: gastronomia. Tudo que cozinhava ficava perfeito, inclusive sua macarronada, que era de dar água na boca.

Apenas esses pequenos prazeres da vida, como fazer uma simples torta, a deixavam contente, porque, por mais que os anos passassem, tinha um espírito eternamente jovem. Adorava se arrumar, se sentir bonita e elegante, sair à noite, ouvir Gusttavo Lima e cantar bem alto. Séria? Jamais, só para fazer pose nas fotos, porque sempre ganhava qualquer um com um sorriso.

Ela deixou esse mundo tal qual um anjo sobrevoando os céus, dentro de um helicóptero, após ter ajudado a salvar tantas vidas. Como uma heroína, uma filha, uma irmã, uma mãe, uma amiga, ela olha pela família lá de cima, tendo certeza de que se eternizou na memória daqueles de quem cuidou e amou.

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A maior beleza é a que vem de dentro.

Sua maior beleza não era seu corpo, muito menos seus cabelos loiros.

Lutou para se formar médica na Bolívia. Tinha uma imensa capacidade de se adaptar às novidades, enfrentando um país com costumes e idioma diferentes, além das diversidades para se sustentar, pelo amor à Medicina.

Encarou os preconceitos de ser loira e bonita com a sua maior virtude: a beleza interior. Amava ajudar o próximo e aos seus pacientes, os quais chamava carinhosamente, a cada um, de "minha vidinha".

"Estudávamos juntas na faculdade de medicina e eu não a conhecia. Perdi meu primo em um acidente e abandonei o curso, ficando em depressão. Um belo dia, em minha casa, chega uma loira platinada, dando um abraço em mim e falando “vim te ajudar vidinha”, deu sopa em minha boca, chamou quatro pessoas que nunca tinha visto e fez um churrasco, no mesmo dia, fazendo minha casa se encher de luz!", conta Taynah Leite, sua amiga, que ainda relata: "Quando ganhava presentes das pessoas do hospital, vinha toda boba contar no meu WhatsApp".

Tinha o poder de conquistar todas as pessoas ao seu redor.

Jornalista desta história Cassio de Campos, a partir de matéria publicada em Histórias do Formulário e Facebook, em 23 de maio de 2020.

Cliciane nasceu em Porto Velho (RO) e faleceu em Manaus (AM), aos 38 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Cliciane, Maria Luiza Fochesatto Vieira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Gabriela Costa de Souza, revisado por Didi Ribeiro e Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2020.