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Daniel Luiz Francellino

1957 - 2020

Herdou a presidência da escola Treze de Maio e viveu para o samba: da percussão ao enredo, ele se destacava.

Dan Dan era a celebridade da Cohab Mascarenhas de Morais, na Zona Leste de São Paulo. Ele fazia a alegria de muitos ali ao organizar diversos carnavais, eventos e festas para o Dia das Crianças. A comemoração no 12 de outubro, que se realizava na praça, aconteceu durante muitos anos, para a felicidade da garotada do bairro. O seu aniversário também se tornava um grande evento: afinal, ele era a estrela do lugar!

Daniel veio de uma família de sambistas da qual todos herdaram a paixão por esse ritmo tão brasileiro. Porém, o talento ficou apenas para ele, segundo a sobrinha Sulyara. Por isso, o pai passou-lhe a presidência da Escola de Samba Treze de Maio. "Se só tivesse ele na agremiação, era possível que saísse desfile. Ele fazia de tudo. Era o carnavalesco, tocava todos os instrumentos de percussão, compunha os sambas-enredo e ainda cantava", afirma.

As filhas participavam. Andreza era a porta-bandeira, Priscila e Daniele desfilavam na Treze. Já a esposa, Vera, ajudava com tudo que podia. Aliás, foi o samba que aproximou os dois. O casal se conheceu em um ensaio na quadra da Vai-Vai e o samba embalou o romance desde a primeira troca de olhares. Foram casados por quarenta e quatro anos. E nem tudo foi festa: houve um tempo em que Dan Dan conviveu com enfisema pulmonar e isquemia. A família dedicou-lhe todo cuidado. Chegou um momento, cerca de quinze anos antes de partir, em que ele precisou fechar a escola por causa da saúde. No entanto, não abandonou o samba e estava sempre presente nas outras agremiações do bairro, onde era muito bem-vindo.

Para ganhar a vida, usava a criatividade. Sempre inventava um produto para vender e sua popularidade na região era um componente a mais no sucesso dos empreendimentos. Apostou em canecas feitas com latinhas de metal, em bonecos de Papai Noel e muito mais. Um amendoim torrado, que chamava de Celebridade, foi o último produto em que ele investiu. O nome era devido à fama que o senhor Dan Dan tinha no bairro.

A alegria com que levava a vida multiplicou-se ao se tornar avô. Os cinco netos — João, Pedro, Ana Luiza, Davi e Maria Estela — idolatravam o vovô bagunceiro.

Vivia intensamente, mas comentava como gostaria de partir: com a cartola de sambista e o terno branco. O desejo não foi cumprido por causa das regras da Covid-19. "Fui levar as roupas dele para doar em um asilo; entre elas, o terno e a cartola. Mas quando cheguei no carro notei que essas peças foram as únicas que não foram entregues. Tenho dificuldade de chorar, mas, naquele momento, senti a presença do meu tio", relatou a sobrinha.

Sulyara conta que o tio foi responsável por ela gostar de samba. A moça foi passista na Treze de Maio. Além disso, admirava o jeito espontâneo do tio. "Para mim, que sou muito séria, ele mostrava que a criatividade é um outro jeito de ganhar a vida. Tinha um milhão de defeitos, como todo ser humano, mas tinha tantas qualidades e se mostrava tão feliz, que não tem como não ter saudades", declara.

A alegria de Dan Dan podia fazer com que muitos não imaginassem os momentos difíceis que passou na vida. Perdeu a mãe muito cedo e tornou-se referência para os irmãos. Também viu alguns deles partirem muito jovens. Lembrava-se sempre da mãe, sua maior saudade. Ele e toda a família cresceram muito unidos e mesmo entre tantas dificuldades amavam o lado bom de viver: divertiam-se juntos ao som do samba, muitas vezes porque Dan Dan empolgava a galera.

Hoje, Daniel está junto de sua tão amada mãe e dos irmãos que partiram antes dele. "Espero que no céu tenha samba — e dos bons — mas, se não tiver, o Dan Dan vai organizar, pois fazer festa boa ele sabe", finaliza a sobrinha.

Daniel nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Santo André (SP), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Daniel, Sulyara Carpi Francelino. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 17 de agosto de 2021.